A General Electric e sua joia aeroespacial: um motor de ganhar dinheiro

A GE não tem a reputação de ser uma empresa com poder de mercado, uma oportunidade de reinvestimento interessante e uma mentalidade de fundador. 

No entanto, ao analisar uma das nossas investidas, a HEICO – uma fornecedora de componentes para a indústria de aviação – percebemos que poderia haver uma joia aeroespacial escondida dentro da GE. 

Descobrimos que a GE de fato atende a todos estes três critérios de investimento, continua a oferecer uma oportunidade de retorno atraente e, por isso, justifica ser uma das maiores posições no nosso fundo.

Fundada em 1892, a GE tem uma história lendária. Sob Jack Welch, ela deixou de ser apenas uma empresa industrial – com valor de mercado de cerca de US$ 14 bilhões em 1981 – para um conglomerado de US$ 600 bilhões antes de Jack se aposentar em 2001. 

Infelizmente, durante aqueles anos de crescimento rápido, a empresa também plantou as sementes para um longo e doloroso declínio sob a liderança de Jeff Immelt, que sucedeu Jack. 

O sucessor de Immelt, que assumiu em agosto de 2017, foi incapaz de interromper o declínio e foi demitido pelo conselho em outubro de 2018. 

Naquele momento, a GE havia passado de empresa mais valiosa do mundo e símbolo de conglomerado de sucesso para uma coleção sobre-endividada de negócios díspares que precisava ser desmembrada. 

A queda da GE foi tão dramática que foi documentada no excelente livro Lights Out: Pride, Delusion, and the Fall of General Electric, de Thomas Gryta e Ted Mann. 

Em abril de 2018, Larry Culp juntou-se ao conselho da GE e, depois de recusar o cargo de CEO duas vezes, aceitou a oferta em outubro de 2018. Culp havia sido CEO da Danaher de 2001 a 2014, e um dos arquitetos principais do lendário Sistema de Negócios Danaher. 

Durante seu mandato, o retorno total para acionistas da Danaher acumulou um crescimento de 14% ao ano, contra 5% do S&P500. Uma vez no comando da GE, Culp rapidamente percebeu que era essencial reduzir a dívida da empresa antes de desmembrá-la. 

Em 2020, ele vendeu os ativos de biofarma da GE para a Danaher por cerca de US$ 20 bilhões, e em 2021 vendeu os ativos de leasing para a AerCap por cerca de US$ 30 bilhões, botando assim um fim à GE Capital. 

Isso, juntamente com o corte do dividendo para US$ 0,01, permitiu-lhe pagar cerca de US$ 100 bilhões em dívidas da GE. 

Os três ativos remanescentes até 2023 eram GE Healthcare, GE Power e GE Aerospace. Em janeiro de 2023, a GE desmembrou 80% da GE Healthcare, que atualmente tem uma capitalização de mercado de cerca de US$ 35 bilhões; este ano, a GE vendeu outros 10% da empresa. 

Em abril, a GE completou sua separação final ao desmembrar 100% de seu negócio de energia como GE Vernova, que atualmente tem uma capitalização de mercado de cerca de US$ 50 bilhões. 

A empresa remanescente de que somos acionistas hoje é a GE Aerospace, com Larry Culp como CEO.

A GE Aerospace é a líder global no fornecimento de motores a jato. Cerca de 75% de suas receitas vêm de Motores e Serviços Comerciais (CES), e estimamos que ela tenha cerca de 70% de share no mercado de motores comerciais. 

Os cerca de 25% restantes das receitas vêm do segmento de Tecnologias de Defesa e Propulsão (D&PT), que consiste em motores e serviços para aeronaves militares (onde a GE tem cerca de 40% de participação no mercado), aviônicos e tecnologia aditiva. É importante notar que a GE fornece motores tanto para aeronaves comerciais de corredor único (curtas distâncias) quanto para as de corredor duplo (longas distâncias). O negócio de corredor único é conduzido através de uma joint venture 50/50 com a Safran chamada CFM.

O modelo de negócios dos motores a jato consiste em vendas de baixa margem de novos motores e serviços pós-venda de alta margem pagos pelo proprietário do avião. 

A GE vende novos motores para companhias aéreas ou empresas de leasing a margens muito baixas ou mesmo com prejuízo, para então fornecer ao comprador peças de reposição e serviços pelo tempo de vida do motor. 

Os motores são a parte mais complexa e altamente regulamentada do avião. Especificamente, a regulamentação dita os ciclos de manutenção com base na utilização, e a maioria das peças de substituição vem diretamente do fornecedor do motor. 

Isso, por sua vez, dá à GE muito poder de preço para seus serviços pós-venda todos os anos. O resultado é que os serviços pós-venda de um motor não apenas têm margens muito altas, mas também geram mais de 3,5 vezes a receita da venda inicial do motor. Esta dinâmica pós-venda leva a um dos maiores e mais defensáveis pools de lucro em todo o ecossistema aeroespacial.

Para ilustrar este ponto, podemos começar com a venda de uma única passagem aérea de US$ 100, que representa o topo do funil para todas as viagens aéreas. 

Com base nos dados da IATA, estimamos que dos US$ 100, aproximadamente US$ 93 são os custos operacionais da companhia aérea. Dos US$ 93 de custo operacional, a Aircraft Monitor estima que 10-15% são manutenção da aeronave, dos quais 35-40% são gastos em manutenção de motores. 

Isso significa que para cada US$ 100 gastos em viagens aéreas, cerca de US$ 4,50 são gastos em manutenção de motores. Para mostrar como isso se traduz na distribuição dos lucros na indústria, vejamos o lucro operacional acumulado dos vários players da indústria entre 2015 e 2019. 

Durante aquele período, as cerca de 330 companhias aéreas no banco de dados da IATA – que representam cerca de 80% do mercado – geraram um lucro operacional acumulado de cerca de US$ 268 bilhões, enquanto os segmentos comerciais da Airbus e da Boeing combinados geraram cerca de US$ 28 bilhões e outros grandes fornecedores não focados em motores, como a Honeywell Aerospace e a Parker Hannifin, geraram cerca de US$ 17 bilhões e US$ 2 bilhões, respectivamente. 

Enquanto isso, a GE gerou US$ 30 bilhões de lucro operacional no mesmo período, o que é evidentemente desproporcional à sua parcela de gastos da indústria e uma clara demonstração de seu poder de mercado.

Estamos convencidos de que os custos de troca no mercado secundário e sua escala são os dois pilares do poder de mercado da GE. 

Os benefícios da escala são evidentes. 

A GE tem cerca de 70% de participação de mercado de motores instalados – a maior fornecedora mundial de motores a jato comerciais. Portanto, ela se beneficia da relação de alta confiança com as aéreas e recebe mais dados sobre o desempenho de seus motores, que usa para melhorar ainda mais o desempenho. 

Esta confiança é construída ao longo da vida de uma plataforma de motor, que dura várias décadas. A escala da GE – combinada com as aprovações regulatórias necessárias para certificar um motor – torna praticamente impossível um novo concorrente entrar no mercado. 

A GE tem a reputação necessária para construir motores de alta qualidade, e sua escala permite que ela absorva as perdas nas vendas de novos motores que um jogador de menor escala não poderia.

Para sustentar sua participação de mercado dominante e poder de precificação, a GE conta com altos custos de troca. 

Uma vez que um cliente escolheu um motor, ele necessariamente precisará comprar as peças de reposição deste fornecedor. Isso é em grande parte devido à complexidade e ao custo subsequente de engenharia reversa das peças do motor. 

Além disso, cada peça de reposição precisa ser aprovada pela FAA, o que é especialmente difícil para qualquer peça que possa comprometer a segurança de um motor. 

Finalmente, mais da metade dos aviões são de propriedade de empresas de leasing que precisam manter o valor de revenda de seus aviões e, portanto, só usam peças originais. 

A HEICO é líder global em peças de avião não originais (pode-se se entender como um genérico da parte original), e mesmo eles não conseguiram penetrar significativamente no mercado de motores. 

Portanto, estimamos que mais de 80% das peças de reposição vêm diretamente do fabricante do motor, enquanto o restante consiste principalmente de peças originais usadas. Dado que um motor estará em um avião de corredor único por mais de 20 anos e em um avião de corredor duplo por mais de 30 anos, pode-se observar que essa “trava” é extremamente durável. 

Além disso, a regulamentação dita os ciclos de manutenção, o que garante que as companhias aéreas não possam evitar substituir as peças para evitar custos. O resultado é um poder de precificação substancial e sustentável.

A capacidade de aumentar os preços acima da inflação a cada ano empurra o crescimento do fluxo de caixa livre – mas não é suficiente se não houver capacidade de reinvestir no crescimento do volume. 

Felizmente, a GE se beneficia do crescimento secular do tráfego aéreo, do fato de que os motores têm o maior desgaste em um avião e da fraca concorrência. 

A métrica de demanda relevante para viagens aéreas seria as horas globais de voo, mas o melhor proxy que temos disponível é o número de voos globais da IATA. De 2009 a 2019, o número de voos anuais cresceu de 25,9 milhões para 38,9 milhões, ou um CAGR de 4%. 

Ao mesmo tempo, a GE conseguiu aumentar sua participação de mercado de motores instalados de cerca de 63% em 2015 para cerca de 70% hoje. A GE conseguiu isso com investimentos relevantes em inovação e construindo mais confiança com o cliente, mas também se beneficiou da má gestão por parte dos concorrentes. Não vemos o vento secular de crescimento da frota de companhias aéreas diminuindo. 

É também importante destacar que os custos de combustível e os requisitos mais rigorosos de ESG estão pressionando as aéreas a atualizar suas frotas, dado que os novos motores da GE são cerca de 15% mais eficientes do que os modelos anteriores. Isso cria as condições para uma excelente oportunidade de reinvestimento.

Culp, o CEO, está extremamente focado nas melhorias operacionais e culturais que uma organização pode alcançar adotando padrões de “Lean Manufacturing”. 

Na Danaher, ele ajudou a introduzir métodos operacionais “Lean” e melhorou a qualidade do negócio através da alocação estratégica de capital, que ainda hoje impulsiona a cultura daquela organização. Esperamos ver uma mudança cultural semelhante na GE ao longo do tempo. 

Além disso, o conselho da GE estruturou a compensação de Culp de tal forma a transformá-lo num verdadeiro dono/acionista. 

Ele hoje tem mais de US$ 300 milhões entre ações livres e ações restritas (Performance Restricted Units) da GE. Além disso, seu forte histórico na alocação de capital nos dá confiança de que o caixa será ou devolvido aos acionistas ou reinvestido a taxas de retorno elevadas.

Acreditamos que o excepcional poder de mercado da GE permitirá que continue a precificar seus serviços pós-venda acima da inflação e, assim, proteger seus retornos, enquanto os ventos de cauda seculares das viagens aéreas e sua forte posição competitiva devem permitir que a GE cresça o negócio com retornos incrementais muito altos. 

A liderança de Culp e a cultura que ele está construindo devem reduzir o risco de que a GE tome decisões de curto prazo que prejudiquem as perspectivas de longo prazo. Olhando para os próximos 10 anos, estimamos que o crescimento do volume de motores e serviços será de “mid single digits” (entre 4% e 6% aproximadamente), enquanto a precificação também contribuirá com esse mesmo nível de crescimento por ano por ano, o que juntos resultam em um crescimento real de receita de “high single digit” (por volta de 9% ao ano). 

A precificação acima da inflação e os ganhos operacionais de eficiência da implementação do lean devem impulsionar a expansão da margem, que por sua vez deve impulsionar o crescimento do fluxo de caixa livre de “low double digits” (entre 11% e 15% aproximadamente)  por ano nos próximos dez anos.

A GE negocia a 30x o lucro estimado para 2025, um prêmio em relação ao índice S&P 500 de Aeroespacial e Defesa, que negocia a 22x.

Dado seu modelo de negócios altamente defensável, altos retornos incrementais sobre o capital e distribuições significativas aos acionistas, consideramos essa avaliação atraente tanto em termos relativos quanto absolutos.

Cristiano Souza é sócio da Zeno Equity Partners, uma gestora com sede em Londres.

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