Por que os homens dominam as posições de liderança da Faria Lima e ganham quase sempre mais do que as mulheres?
Por que nas reportagens do Brazil Journal há muito mais homens como fontes de informação do que mulheres?
Por que os homens são predominantes no comando de grandes empresas, nos quadros superiores dos maiores escritórios de advocacia ou nas equipes de cirurgiões estrelados dos melhores hospitais?
Não é simplesmente em razão do machismo ou dos vieses arraigados na sociedade, demonstrou o trabalho da historiadora econômica Claudia Goldin, premiada com o Nobel no ano passado.
Algumas respostas para compreender essas discrepâncias estão no mais recente livro de Goldin, Carreira e família – A jornada de gerações de mulheres rumo à equidade (Tradução de Denise Bottman; Portfolio Penguin; 384 páginas), originalmente publicado em 2021 mas que só agora chega ao Brasil.
A razão para as discrepâncias está no “trabalho ganancioso,” diz a economista.
“A ganância do trabalho significa que é bom haver um pouco de especialização nos casais com filhos ou com outras responsabilidades de cuidados,” escreve ela.
Um dos genitores, mesmo que trabalhando, terá uma maior flexibilidade e poderá acompanhar as reuniões do colégio e levar os filhos nas aulas de futebol ou balé, mas não precisará ficar de plantão de madrugada, virar a noite para fechar um contrato ou estar disponível 24×7 para responder mensagens do WhatsApp.
O outro genitor, porém, ficará à disposição da empresa e fará exatamente o contrário, e os ganhos por isso serão evidentes, afirma Goldin.
“O valor dos empregos gananciosos subiu muito,” escreve a economista. “Os empregos com as maiores demandas de horário prolongado e a menor flexibilidade pagam desproporcionalmente mais, enquanto as remunerações em outros empregos estão estagnadas.”
Um exemplo do campo de estudo de Goldin é o próprio Nobel: apenas três mulheres, incluindo ela, foram agraciadas com o prêmio de Economia.
PhD por Chicago e professora em Harvard, Goldin dedicou boa parte de sua carreira aos estudos sobre as mulheres no mercado de trabalho e a inequidade de gêneros. Algumas de suas pesquisas mais influentes foram sobre o impacto da pílula anticoncepcional e da educação na carreira profissional das mulheres.
Uma das principais conclusões de seus estudos é que nunca haverá equidade de gêneros no mercado de trabalho enquanto não houver equidade de gênero dentro de casa.
Vários de seus trabalhos foram publicados em coautoria com o marido, o também professor de Harvard Lawrence Katz – mas ele não levou o Nobel. Ambos escreveram juntos o livro The race between education and technology 2008), em que mostram como um dos fatores determinantes para a supremacia econômica dos EUA foi a qualidade da educação.
A seguir, excertos do livro Carreira e família.
O TRABALHO GANANCIOSO
Embora um acalorado debate público e privado tenha trazido à luz essas questões importantes, muitas vezes erramos por desconsiderar a enorme escala e a longa história das disparidades de gênero. Uma leve advertência a uma empresa, mais uma mulher que consegue chegar ao conselho diretor, alguns líderes progressistas de equipes de tecnologia que saem de licença-paternidade – tais soluções são o equivalente econômico a jogar uma caixinha de Band-Aid para alguém com peste bubônica.
Essas respostas não serviram para anular as diferenças no hiato salarial entre os gêneros. E nunca fornecerão uma solução completa para essa desigualdade, pois tratam apenas dos sintomas. Nunca capacitarão as mulheres a se realizarem tanto na carreira quanto na família na mesma proporção que o fazem com os homens. Se quisermos erradicar ou mesmo apenas estreitar o hiato salarial, precisamos em primeiro lugar investigar mais fundo até a raiz desses obstáculos e dar ao problema um nome mais preciso: trabalho ganancioso.
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A ganância do trabalho significa que é bom haver um pouco de especialização nos casais com filhos ou com outras responsabilidades de cuidados. Essa especialização não significa voltar ao mundo da sitcom ‘Leave It to Beaver’. As mulheres ainda se manterão em carreiras desafiadoras, mas um dos cônjuges estará de prontidão para atender ao lar, preparado para deixar o escritório ou o local de trabalho no mesmo instante em que for chamado. Essa pessoa terá um emprego de flexibilidade considerável e normalmente não terá de responder a um e-mail ou a uma ligação às dez da noite. Esse genitor não terá de cancelar sua presença num treino de futebol por causa de uma reunião de fusão e aquisição de empresas. O outro genitor, porém, ficará à disposição da empresa e fará exatamente o contrário, e os ganhos por isso serão evidentes.
O trabalho de gerentes e profissionais especializados sempre foi ganancioso. Profissionais do direito sempre trabalharam até muito tarde. Acadêmicos sempre foram avaliados pela produção intelectual e não se espera que desliguem os neurônios ao anoitecer. A maioria dos profissionais de medicina e veterinária costumava atender 24 horas por dia.
O valor dos empregos gananciosos subiu muito com a crescente desigualdade de renda, que tem aumentado desde o começo dos anos 1980. As remunerações no topo da distribuição de renda dispararam. A pessoa trabalhadora que salta mais alto recebe uma remuneração sempre maior. Os empregos com as maiores demandas de horário prolongado e a menor flexibilidade pagam desproporcionalmente mais, enquanto as remunerações em outros empregos estão estagnadas.
Assim, as posições que, já de partida, as mulheres têm mais dificuldade de obter, como as da área financeira, são precisamente aquelas que têm tido os maiores aumentos de renda nas últimas décadas. O analista de fundos de investimentos que acompanha a negociação do começo ao fim, que fez a simulação complicada e compareceu a todas as reuniões e jantares tarde da noite terá chance máxima de receber um significativo adicional e a tão esperada promoção.
A disparidade crescente nas remunerações pode ser uma razão importante que explica por que o hiato salarial de gênero entre as pessoas com graduação não se alterou nas últimas décadas, apesar da melhoria nas credenciais e posições das mulheres. Pode ser por causa disso que esse hiato entre as pessoas com graduação aumentou mais do que aquele entre homens e mulheres em toda a população no fim dos anos 1980 e começo dos anos 1990. As mulheres vêm nadando contra a corrente, conseguindo manter sua posição, mas enfrentando uma forte correnteza de disparidade endêmica de renda.
O trabalho ganancioso também significa que a paridade conjugal tem sido abandonada em troca do aumento na renda familiar. E, quando se joga pela janela a paridade do casal, a igualdade de gêneros geralmente vai junto, exceto nas uniões homossexuais. As normas de gênero que herdamos são reforçadas de inúmeras maneiras para atribuir às mães uma maior parte da responsabilidade de cuidar dos filhos e às filhas crescidas, uma maior parte dos cuidados da família.
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Para casais homossexuais, não haverá uma disparidade salarial de gênero, mas a paridade conjugal, provavelmente, será deixada de lado. Num mundo de empregos gananciosos, a paridade conjugal sai caro.
As mulheres não são preguiçosas nem menos talentosas, e elas começam em pé de igualdade com os homens. Em parte, devido às normas de gênero entranhadas que estamos examinando, mesmo mulheres talentosas e ambiciosas sentem a necessidade de diminuir o ritmo da carreira em favor do bem maior da família. Os homens são capazes de ter família e subir na carreira porque as mulheres recuam de sua carreira para dedicar mais tempo à família. Ambos se privam: os homens abrem mão do tempo com a família; as mulheres abrem mão da carreira.
UM CASAMENTO DE IGUAIS
Algum tempo atrás, perguntei ao grupo de estudantes em meu seminário na graduação o que queriam num casamento. Uma das estudantes respondeu no mesmo instante: “Quero um homem que queira o que eu quero”. A resposta dela me pareceu uma manifestação muito objetiva de um desejo de igualdade. Desde então esse desejo tem sido expresso por muitas estudantes e amigas minhas, mas nunca de forma tão clara e concisa. O dilema que persiste, porém, é que, mesmo que se encontrasse esse par, seria custoso para a igualdade familiar que ambos tivessem carreiras desafiadoras, ou custoso para a renda familiar que ambos tivessem carreiras menos desafiadoras. Para maximizar a renda potencial da família, um parceiro se dedica ao trabalho no escritório que consome tempo, enquanto o outro faz sacrifícios de carreira para assumir o trabalho em casa que consome tempo. Independente do gênero, este segundo receberá menos.
O gênero é um fator que não se pode ignorar, porque a pessoa que sacrifica a carreira para ficar em casa é – historicamente e ainda hoje – na maioria das vezes uma mulher. As mulheres não são preguiçosas nem menos talentosas, e elas começam em pé de igualdade com os homens. Em parte, devido às normas de gênero entranhadas que estamos examinando, mesmo mulheres talentosas e ambiciosas sentem a necessidade de diminuir o ritmo da carreira em favor do bem maior da família. Os homens são capazes de ter família e subir na carreira porque as mulheres recuam de sua carreira para dedicar mais tempo à família. Ambos se privam: os homens abrem mão do tempo com a família; as mulheres abrem mão da carreira.
Para leitores modernos, a ideia de que as mulheres tenham uma carreira da qual recuem ou na qual avancem pode parecer tão normalizada que nem é digna de nota. As mulheres frequentam a escola, tal como os homens, e se dedicam ao ensino superior e a carreiras rentáveis, tal como eles. Mas vale a pena parar e pensar até que ponto essa situação é nova.
Em 1900, pouquíssimas mulheres com graduação e filhos pequenos faziam parte da força de trabalho, e muito menos tinham qualquer coisa que se parecesse com uma carreira. As que se dedicavam ao trabalho geralmente não tinham filhos e muitas vezes não se casavam. Passado mais de um século, as mulheres não estão apenas trabalhando; têm carreiras significativas que muitas conseguem ou pretendem combinar com uma família num casamento equitativo. Em toda a história mundial, isso nunca aconteceu antes.
Quando se altera o papel econômico de mais da metade da população, isso marca uma mudança histórica assombrosa – que tem imensas ramificações. A vida das mulheres com graduação evoluiu de forma mais radical, mas os efeitos dessa profunda mudança reverberaram toda a sociedade americana, afetando toda a organização social do trabalho, das escolas e das famílias. Quando as mulheres passaram do lar para o local de trabalho, não passaram apenas do trabalho não remunerado para o trabalho remunerado. Passaram das responsabilidades domésticas para posições que exigiam um extenso nível educacional, tornavam-se parte integrante de sua identidade e muitas vezes se estendiam ao longo de toda a sua vida.
Cada geração feminina no século deu mais um passo nessa jornada, enquanto inúmeros progressos em casa, na empresa, na escola e na contracepção pavimentavam o caminho para esse avanço. Cada geração expandiu seus horizontes, aprendendo com os êxitos e fracassos da geração anterior e deixando lições para a próxima onda de mulheres. Cada geração passou o bastão de uma anterior para a próxima. A jornada nos levou da rígida escolha entre ter uma família ou uma carreira para a possibilidade de ter uma carreira e uma família. É também uma jornada para uma maior paridade salarial e uma maior paridade conjugal. É uma progressão complicada e multifacetada ainda em andamento.
Se essa mudança ao longo das décadas foi maciçamente positiva, por que ainda lutamos com amplas diferenças entre as remunerações, ocupações e posições de homens e mulheres, e com as escancaradas disparidades entre suas responsabilidades familiares?
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A resposta, como veremos, é que precisamos mudar a forma como o trabalho é estruturado.
Embora tenhamos chegado a uma era inédita de paridade econômica entre homens e mulheres, em alguns aspectos ainda estamos vivendo na Idade Média. Nossas estruturas de trabalho e de cuidados são relíquias de um passado em que somente os homens tinham carreira e família. Nossa economia inteira está presa numa velha forma de funcionamento, estorvada por métodos primitivos de divisão das responsabilidades.
Com um número cada vez maior de mulheres aspirando a ter carreira, família e paridade conjugal e com um número cada vez maior de casais enfrentando demandas rivais de tempo, é imperativo entendermos o que o hiato econômico de gênero de fato revela sobre nossa economia e nossa sociedade – para que possamos trabalhar por soluções que cubram esse hiato e tornem o trabalho e a vida mais equitativos para todos. Os dados nos capítulos subsequentes apresentarão o progresso realizado em cada geração e mostrarão como as normas de gênero e as estruturas do local de trabalho evoluíram ao longo das décadas e como a jornada deve continuar.
Este livro conta a história de como as aspirações de carreira, família e paridade emergiram no século passado e como podem ser alcançadas no presente. Não existe uma solução simples, mas, finalmente entendendo o problema e tratando-o por seu nome correto, poderemos pavimentar um melhor caminho adiante.
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