A disputa judicial que se arrasta há mais de uma década entre a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruch, e a Ternium, do Grupo Techint, vem chamando a atenção na cena política, jurídica e no mercado.
Em jogo: R$ 5 bilhões e o entendimento técnico da CVM e do CADE sobre fusões, aquisições e blocos de controle.
O imbróglio começou em 2011, quando a Ternium adquiriu as participações que a Votorantim e a Camargo Corrêa detinham no bloco de controle da Usiminas.
À época, a CSN tinha cerca de 16% da siderúrgica mineira e planejava uma compra hostil de controle. Com a entrada da Ternium, a CSN mudou de tática e, para sua estratégia de saída, resolveu pleitear o direito de tag along. A CVM foi acionada, mas invalidou o argumento julgando que não houve mudança de controle na Usiminas.
A essa derrota da CSN seguiram-se outras, no CADE e na Justiça, onde a empresa perdeu na 1ª instância, depois por unanimidade na 2ª instância, e finalmente no STJ.
Aí… tudo mudou.
No recurso de embargos de declaração houve uma reviravolta após uma mudança na composição da Terceira Turma do STJ.
O ministro Paulo de Tarso Sanseverino morreu em março de 2023 e, meses depois, o ministro Marco Aurélio Bellizze se declarou impedido, alegando questões pessoais: seu filho fora contratado por um dos advogados da CSN. Tanto Sanseverino quanto Bellizze haviam sido favoráveis à Ternium no julgamento anterior.
O novo resultado foi anunciado em junho deste ano e vem chamando atenção por impor uma multa de R$ 5 bilhões à Ternium e o pagamento de R$ 500 milhões aos escritórios que representam a CSN a título de honorários de sucumbência.
A Ternium, controlada pelo Grupo Techint, promete brigar até o fim e já disse que pode reduzir seus investimentos no Brasil, onde o grupo ítalo-argentino opera desde 1947.
O conselheiro do Grupo Techint, Paolo Bassetti, conversou com o Brazil Journal sobre a decepção da empresa com a insegurança jurídica no País.
Nesta briga com a CSN, vocês têm dito que o julgamento de um mesmo caso duas vezes no STJ não é um rito normal. Por quê?
Essa mudança de mérito deixou todos surpresos porque não há antecedentes no Judiciário brasileiro. Não é comum mudar o mérito de uma decisão nos embargos de declaração, um recurso que serve apenas para sanar alguma omissão ou contradição do processo.
Não houve mudança de controle na Usiminas em 2012. Essa posição foi confirmada na CVM, na Justiça Federal na 1ª instância, por unanimidade na 2ª instância e no STJ em março de 2023. Aí o segundo julgamento no STJ mudou tudo. Mas vamos até o fim e não iremos desistir.
Mas o que a CSN alegou nos embargos de declaração?
A CSN alegou como fato novo o aumento da participação da Ternium no bloco de controle da Usiminas em julho de 2023. Ou seja, um argumento que por si só deveria desconsiderar toda a defesa anterior.
Se a Ternium assumiu o controle da Usiminas no ano passado, ao comprar mais ações da Nippon, por óbvio não tinha o controle em 2012, quando a CSN entrou com a ação. É uma contradição em si.
O mercado jurídico tem comentado sobre os honorários dos advogados da CSN, estimados em cerca de R$ 500 milhões. A Techint também acha este valor estranho?
Não nos cabe comentar os honorários dos advogados, mas podemos tratar de fatos. Com esse valor, o nosso grupo poderia comprar mais equipamentos para as nossas plantas, que gerariam mais desenvolvimento e emprego. Isso ajudaria o fortalecimento da indústria do Brasil.
Mas é um dinheiro desproporcional?
Você é quem está dizendo…
Da forma como está o julgamento, a CSN recebe a indenização e mantém as ações da Usiminas. É isso mesmo?
Essa é uma questão que revela todo o absurdo deste processo. Da forma como está, temos uma indenização bilionária para uma concorrente que comprou ilegalmente as ações da Usiminas e que continua desrespeitando a CVM, o CADE e a legislação concorrencial do Brasil.
Explico melhor: a Usiminas levou a questão para o CADE, porque todos sabem que uma concorrente não pode ter mais de 5% das ações ordinárias da outra. Em 2014, a CSN fez um acordo em que se comprometia, perante o CADE, a vender esses papéis até 2019, mas essa decisão nunca foi cumprida.
Repito: a CSN assinou um acordo com o CADE, ou seja, reconheceu a ilegalidade das ações, mas até o momento não cumpriu com a sua palavra.
A Usiminas entrou inclusive na Justiça para obrigar a CSN a cumprir a lei. E, neste caso, a CSN perdeu mais uma vez em duas instâncias da Justiça Federal de Minas Gerais, incluindo o Tribunal Regional Federal da 6ª região. O prazo para vender as ações expirou em 10 de julho.
É inacreditável como a CSN desrespeita a Justiça administrativa e a Bolsa de Valores. Isso coloca em risco a percepção da segurança jurídica do mercado de capitais do Brasil.
Qual é estratégia de defesa da Ternium para reverter a decisão desfavorável no STJ?
A estratégia jurídica fica sob a responsabilidade dos nossos advogados. O que posso garantir é que vamos recorrer em todas as instâncias até restabelecer a segurança jurídica. Esse fato não impacta apenas o Grupo Techint, mas todos os investidores que fazem parte de grupos de controle no Brasil. Se por acaso nós perdemos essa briga, coloquem as barbas de molho!
A Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) acaba de impetrar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), pedindo ao STF uma interpretação mais clara sobre os critérios que determinam uma OPA. Ela está pedindo uma medida cautelar para suspender os processos judiciais em que se discute a obrigatoriedade de uma OPA por mudança de controle, e os processos que envolvam indenizações decorrentes da violação destes critérios. Como vê essa medida?
É o esperado. É fundamental dar clareza e segurança ao mercado. Todos estão preocupados, por isso a entidade pede uma posição sobre a interpretação da Lei das SA. A AEB também entendeu que a nova interpretação viola a segurança jurídica e contradiz o entendimento fixado pela CVM, criando uma hipótese não prevista em lei.
Como foi a entrada do Grupo Techint no Brasil?
Estamos no Brasil desde 1947. Construímos os principais gasodutos e minerodutos do País. Adquirimos uma participação na CONFAB na década de 1990 e decidimos crescer no mercado de aço a partir de 2006. Desde 1996, eu mantenho uma relação comercial com o Brasil. Fixei residência aqui em 2010, quando fui responsável pelo projeto greenfield de uma siderúrgica no Porto do Açu.
Conseguimos a licença ambiental e estávamos prontos para começar a construção quando recebemos uma ligação da Votorantim e da Camargo Corrêa, que queriam vender a sua posição no grupo de controle. Entramos com 27% e passamos a dividir o controle com a Nippon Steel e a Previdência Usiminas, que tinham 30% e 10%, respectivamente. Era uma gestão compartilhada.
É possível garantir que os investimentos na Usiminas e em outras siderúrgicas da Ternium no Brasil terão continuidade se a decisão do STJ for revertida?
Veja, isso não é um tema que interessa apenas à Ternium ou ao Grupo Techint. O investimento industrial no Brasil está em xeque pela insegurança jurídica porque o investidor avalia o cenário e pensa em longo prazo.
O Brasil está em um processo de primarização, mas há uma oportunidade para fortalecer o desenvolvimento de cadeias de valor industrial. Se o País encarar de frente esse tema da insegurança jurídica, isso vai abrir espaço para os investimentos. Agora, os nossos investimentos para melhorias ambientais em nossas unidades estão mantidos. Esse é um compromisso do grupo.
Como você olha o futuro do grupo no Brasil?
Com otimismo, na medida que os problemas de insegurança jurídica sejam resolvidos. Somos líderes do mercado de aço no México, Argentina e Colômbia e estamos interessados em ficar e crescer no Brasil. Saímos de zero em 2010 para 8,3 milhões de toneladas de aço vendido e 16 mil funcionários diretos em 2023, somando a Usiminas e a Ternium Brasil.
Somos o segundo maior produtor de aço do País. Foi um investimento de R$ 25 bilhões para montar essa posição no Brasil. Mas queremos e precisamos investir mais para manter a Ternium e a Usiminas competitivas, gerando renda e investimentos sociais seja no Vale do Aço, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em todo o País. Queremos continuar produzindo desenvolvimento industrial no Brasil.
Mas então por que vocês dizem que podem suspender os investimentos no Brasil?
Porque essa insegurança jurídica gera ruídos. A reviravolta que tivemos na análise de embargos de declaração na disputa contra a CSN, sobre uma suposta obrigação de oferta pública de ações na nossa entrada na Usiminas em 2012, assustou os nossos acionistas.
Essa discussão judicial já tinha 12 anos e ganhamos em todas as instâncias – até que o STJ mudou de ideia.
O impacto nos investimentos já existe ou é um risco latente?
O impacto existe. O apetite de quem quer investir no Brasil diminuiu. O nosso trabalho é mostrar o absurdo dessa decisão para revertê-la. No mais, essa não é uma preocupação somente da Ternium ou do Grupo Techint. Essa precisa ser uma preocupação de todo o Brasil, pois afeta empregos, desenvolvimento e a economia do país como um todo. Com o consumo de aço tão pequeno e as oportunidades na cadeia de valores, o Brasil deve atrair – e não assustar – quem quer investir na indústria.
Há espaço para um acordo com a CSN?
Temos convicção de que o prejuízo da insegurança jurídica é muito maior para o Brasil do que para as empresas. Acreditamos na Justiça brasileira. Vamos nos defender em todas as instâncias e retomar a verdade dos fatos. Fazendo isso, nós estamos contribuindo com o Brasil por mostrar que quem desrespeita as regras do jogo vai perder.
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