Na Ferrovia Centro-Atlântica, um negócio deficitário ganha uma segunda chance

A VLI está na reta final do processo de renovação antecipada da concessão da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA) — um divisor de águas para o reequilíbrio financeiro de um ativo que vem dando prejuízo há décadas. 

A renovação antecipada também é um fator-chave para valorizar a VLI – cujos maiores acionistas são a Brookfield e a Vale – antes de um IPO na próxima janela de mercado. 

A VLI opera a concessão da FCA desde 2011 – quando a companhia foi criada a partir de um spinoff da Vale – e desde então já investiu mais de R$ 11 bilhões na concessão.

A ferrovia tem um prejuízo acumulado de mais de R$ 3 bilhões no balanço. No ano passado, fez uma receita líquida de R$ 3,5 bilhões, prejuízo operacional de R$ 600 milhões e prejuízo líquido de R$ 900 milhões. 

“A valores atualizados pela Selic, pagamos R$ 17 bilhões de outorga ao Governo desde o início da concessão, há 28 anos,” o CEO da VLI Fábio Marchiori disse ao Brazil Journal. “Além disso, temos gasto com a depreciação e manutenção de trechos onde não passa nenhuma carga. Esses dois fatores fizeram com que a operação ficasse deficitária por muito tempo.”

Segundo Marchiori, dos 7 mil quilômetros de linhas ferroviárias da FCA, 2,1 mil km são trechos inutilizados, por onde não transita nenhuma carga (por conta de questões alheias à empresa, como o encerramento da atividade de um cliente numa determinada região ou a abertura de um novo porto).

Na renovação antecipada da concessão, a VLI está propondo a devolução destes trechos ao Poder Público mediante o pagamento de uma indenização de R$ 3,5 bilhões pela companhia. 

A outorga também seria muito menor que a do ciclo anterior, de R$ 1,5 bilhão pelos próximos 30 anos. 

Em contrapartida, a companhia se comprometeria a investir R$ 24 bilhões na melhoria da malha e na aquisição de mais vagões — metade disso já nos primeiros 10 anos. 

“Esse seria um investimento que geraria um aumento de produtividade do País, com um incremento do volume transportado na nossa malha — diferente do que vínhamos fazendo antes,” disse o CEO. 

A projeção da VLI é que os investimentos gerem um aumento de 46% no volume transportado nas malhas da companhia, que opera com dois corredores.

O corredor Sudeste — que começa em Goiás, passa pelo Triângulo Mineiro, cruza São Paulo e chega até a Baixada Santista — tem uma vocação muito forte para o agronegócio, transportando principalmente açúcar, mas também grãos e fertilizantes.

Já o Leste começa em Araguari e cruza Minas Gerais, conectando-se com a Estrada de Ferro Vitória-Minas e seguindo até os portos do Espírito Santo. Este corredor atende principalmente fabricantes de papel e celulose e siderúrgicas, transportando madeiras, ferro e aço. 

A previsão do CEO da VLI é que a operação da FCA só volte a dar lucro cinco anos ou mais após a renovação, mesmo com todas as melhorias do contrato.

“Tendo a renovação, já vamos ter que entrar com um investimento muito grande, porque metade dos R$ 24 bi de capex estão concentrados nos primeiros 10 anos. Por isso demora um pouco mais para virar o balanço,” disse Marchiori. 

O processo de renovação antecipada da FCA está na reta final. As audiências públicas começaram esta semana e vão até o dia 29. Quando terminarem, a ANTT vai recolher as contribuições e preparar uma nova versão, que será submetida ao TCU.

Após este processo, a VLI terá que analisar de novo se aceita os termos finais propostos. Segundo Marchiori, a companhia está disposta a aceitar alguns ajustes, mas há pouca margem para melhorar a proposta atual em termos do volume de investimentos. 

A renovação antecipada da FCA faz parte de um esforço mais amplo que começou em 2017, ainda no Governo Temer. A primeira concessão que teve a renovação antecipada foi a das ferrovias da Rumo, ainda em 2018. Na sequência, as ferrovias da Vale e da MRS passaram pelo processo.

Nos últimos dois anos, no entanto, o Governo começou a questionar os termos dessas renovações, negociando aditivos contratuais com essas três empresas. A Rumo já assinou um acordo; a MRS tem um pré-acordo divulgado, mas a decisão ainda não foi sacramentada; e a Vale ainda está definindo os termos de seu pré-acordo.

Uma fonte de uma dessas empresas que participa das discussões disse ao Brazil Journal que as conversas têm sido “construtivas”. 

“O que está sendo discutido é que as empresas deem mais recursos de outorga, e em troca algumas partes do contrato sejam alteradas,” disse a fonte. 

A intenção do Governo com este acordo é ter mais recursos para investir nas ferrovias — o que seria positivo para o PIB e o País. 

Além da FCA, a VLI tem outros ativos relevantes no portfólio. Ela é dona da Ferrovia Norte-Sul, cuja concessão vence apenas em 2037; tem contratos para fazer a operação logística de seis portos; e é dona de um terminal portuário em Santos, o Tiplan, que movimenta mais de 15 milhões de toneladas por ano. 

Outro ativo, menos relevante do ponto de vista de receita, é a Trato, uma ferramenta de integração logística para tornar a integração das ferrovias com os caminhões mais fluida. 

Apesar da FCA estar no vermelho, a VLI é altamente lucrativa.

A holding deve reportar um EBITDA de R$ 5 bilhões este ano, com uma conversão de EBITDA em caixa de quase 100%. A alavancagem da holding é de 1,5x EBITDA, e a companhia tem autorização do conselho para subir até 3x. 

Marchiori disse que a VLI está olhando outras oportunidades de crescimento e se prepara para um IPO assim que uma janela abrir. Obviamente, a renovação antecipada seria importante para isso. “Fazer um IPO sem a renovação drenaria capital da empresa, porque o valuation certamente seria muito menor,” disse ele.

Hoje o maior acionista da VLI é a Brookfield, com 36,5% do capital; seguida pela Vale, com 29,6%; o FI-FGTS, com 15,9%; a Mitsui com 10%; e o BNDES com 8%. 

A Brookfield recentemente aumentou sua posição na companhia, comprando 10% da Mitsui – e certamente apostando no sucesso da renovação antecipada. 

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