Numa carta que tem tudo para se tornar um documento no mundo da filantropia, Warren Buffett descreveu a relação de sua família com o dinheiro, criticou a criação de dinastias familiares e aconselhou os pais ricos a deixarem para seus filhos “o suficiente para que eles possam fazer o que quiserem, mas não o suficiente para que eles possam não fazer nada.”
A carta veio junto com o anúncio de uma doação adicional de US$ 1,2 bilhão em ações da Berkshire Hathaway para fundações filantrópicas ligadas à família Buffett.
Com a doação, Buffett já doou 56% de sua fortuna desde 2006, quando assinou o Giving Pledge prometendo doar 99% em vida. Buffett agora tem um patrimônio de US$ 149 bilhões.
O exemplo de Buffett ainda tem ecoado pouco no Brasil, onde apenas dois bilionários — Elie Horn e David Velez — assinaram o Giving Pledge, cuja exigência mínima é doar mais de metade da fortuna em vida.
Abaixo, a íntegra da carta de Buffett:
As doações que estou fazendo hoje reduzem minha participação nas ações Classe A da Berkshire Hathaway para 206.363, uma queda de 56,6% desde minha promessa em 2006.
Em 2004, antes da Susie, minha primeira mulher, morrer, nós dois tínhamos 508.998 ações Classe A. Por décadas, nós dois pensamos que ela viveria mais do que eu, e subsequentemente distribuiria a vasta maioria de nossa grande fortuna. Não era para ser. Quando a Susie morreu, seu patrimônio era de quase US$ 3 bilhões, e cerca de 96% desse valor foi para a nossa fundação.
Adicionalmente, ela deixou US$ 10 milhões para cada um de nossos três filhos, a primeira grande doação que fizemos para qualquer um deles. Essas doações refletem nossa crença de que pais muito ricos devem deixar para seus filhos o suficiente para que eles possam fazer o que quiserem, mas não o suficiente para que eles possam não fazer nada.
Susie e eu sempre encorajamos nossos filhos a fazer pequenas atividades de filantropia e ficamos felizes com o entusiasmo deles, a diligência e os resultados. Na sua morte, no entanto, eles não estavam prontos para lidar com a riqueza impressionante que as ações da Berkshire geravam. No entanto, suas atividades de filantropia aumentaram dramaticamente depois da promessa que eu fiz em 2006 e que depois foi expandida.
Nossos filhos agora mais do que justificam nossas esperanças e, na minha morte, terão a responsabilidade de distribuir gradualmente todas as minhas participações na Berkshire. Isso hoje responde por 99% da minha riqueza.
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O ‘pai tempo’ sempre vence. Mas ele pode ser inconstante — na verdade, injusto e até cruel — algumas vezes terminando a vida no nascimento ou logo depois, enquanto, em outros momentos, pode esperar um século antes de fazer uma visita. Até agora, eu tenho sido muito sortudo, mas, em breve, ele vai me procurar.
Há, no entanto, um lado negativo nesta minha sorte de evitar ser notado por ele. A expectativa de vida dos meus filhos diminuiu materialmente desde minha promessa em 2006. Eles têm hoje 71,69 e 66 anos. Eu nunca desejei criar uma dinastia ou perseguir nenhum plano que se estendesse para além dos meus filhos.
Eu conheço os três muito bem e confio neles completamente. As gerações futuras são um outro assunto. Quem pode prever as prioridades, inteligência e lealdade de sucessivas gerações para lidar com a distribuição de uma riqueza tão grande no que pode ser um ambiente de filantropia muito diferente?
Ainda assim, a riqueza massiva que eu acumulei pode levar mais tempo para ser doada do que a vida dos meus filhos. E as decisões de amanhã provavelmente serão melhor tomadas por três cérebros vivos e bem direcionados do que por uma mão morta.
Sendo assim, três potenciais sucessores fiduciários foram designados. Cada um deles é bem conhecido dos meus filhos e faz sentido para todos eles. Eles também são um pouco mais novos que meus filhos. Mas esses sucessores estão na lista de espera. Eu espero que Susie, Howie e Peter possam doar eles próprios todos os meus ativos.
Cada um deles respeita meu desejo de que o programa de disposição das minhas participações em ações da Berkshire não traia de forma alguma a excepcional confiança que os acionistas da Berkshire depositaram em mim e em Charlie Munger.
O período de 2006-2024 me deu a chance de observar cada um dos meus filhos em ação, e eles aprenderam muito sobre filantropia em larga escala e comportamento humano. Cada um deles supervisionou times de 20-30 pessoas por muitos anos e observou a dinâmica única de emprego afetando as organizações filantrópicas.
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Meus amigos ricos tem se mostrado curiosos com a extraordinária confiança que eu tenho em meus filhos e seus possíveis substitutos. Eles expressam uma particular surpresa sobre minha exigência de que todas as ações da fundação demandem uma votação unânime.
Como isso pode ser viável? Eu expliquei que meus filhos serão sempre cercados por pedidos justos de amigos sinceros e de outros. Uma segunda realidade: quando grandes doações filantrópicas são pedidas, um “não” frequentemente leva os beneficiários a buscar um approach diferente — outro amigo, um projeto diferente, o que seja.
Aqueles que podem distribuir grandes quantias de dinheiro sempre são vistos como “alvos de oportunidade.” Essa realidade desagradável é parte do jogo. Daí essa exigência de uma decisão unânime.
Essa restrição permite uma resposta imediata e final a quem pede as doações: “Isso é algo que jamais receberia o consentimento do meu irmão.” E essa resposta vai melhorar a vida dos meus filhos. Minha cláusula de unanimidade, é claro, não é uma panaceia — ela claramente não é viável se você tem nove ou dez filhos ou netos. E ela não resolve o problema assustador de distribuir de forma inteligente bilhões de dólares anualmente.
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Eu tenho mais uma sugestão para todos os pais, sejam eles pobres ou ricos. Quando seus filhos estiverem maduros, peça para eles lerem seu testamento antes de você assiná-lo. Tenha certeza que cada filho entenda tanto a lógica de suas decisões quanto as responsabilidades que eles vão encontrar depois da sua morte.
Se algum deles tiver dúvidas ou sugestões, escute com cuidado e adote as que você considerar sensatas. Você não quer seus filhos perguntando “por quê?” em relação a decisões testamentárias quando você não for mais capaz de responder.
Ao longo dos anos, eu recebi perguntas e comentários de todos os meus três filhos e com frequência adotei suas sugestões. Não há nada de errado com eu ter que defender meus pensamentos. Meu pai fez o mesmo comigo.
Eu mudo meu testamento a cada dois ou três anos — frequentemente apenas em pequenas coisas — e deixo as coisas simples. Ao longo dos anos, Charlie e eu vimos muitas famílias se separarem depois que os ditames póstumos do testamento deixaram os beneficiários confusos e algumas vezes com raiva.
Ciúmes, junto com desprezos reais ou imaginários durante a infância, são ampliados particularmente quando os filhos foram favorecidos em relação às filhas, seja em termos monetários ou de posição de prestígio. Charlie e eu também testemunhamos alguns casos onde um testamento de pais ricos que foi completamente discutido antes da morte ajudou a tornar a família mais próxima.
O que pode ser mais satisfatório?
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Enquanto escrevo isto, eu continuo minha maré de sorte que começou em 1930 quando eu nasci nos Estados Unidos como um homem branco. Minhas duas irmãs, é claro, receberam a promessa explícita da 19° emenda de 1920 de que seriam tratadas igual aos homens.
Essa, afinal, tinha sido a mensagem das nossas treze colônias em 1776. Em 1930, no entanto, eu nasci num país que ainda não tinha conseguido cumprir suas aspirações iniciais. Ajudado por Billie Jean King, Sandra Day O’Connor, Ruth Bader Ginsberg e inúmeras outras, as coisas começaram a mudar em 1970.
Então, favorecido pelo meu status de homem, desde muito cedo eu tive a confiança de que me tornaria rico. Mas de nenhuma forma eu, ou qualquer outra pessoa, sonhou com as fortunas que se tornaram atingíveis na América durante as últimas décadas. Tem sido algo alucinante — além da imaginação do Ford, Carnegie, Morgan ou até Rockfeller. Bilhões se tornaram os novos milhões.
As coisas não pareciam boas quando eu cheguei no início da Grande Depressão. Mas os grandes efeitos do ‘compounding’ [o crescimento exponencial da riqueza que acontece graças ao reinvestimento contínuo ao longo do tempo] acontecem nos últimos vinte anos de uma vida.
Ao não pisar em nenhuma casca de banana, eu agora continuo em circulação com 94 anos e com uma grande quantidade de economias — chamemos essas unidades de ‘consumo diferido’ — que pode ser passada para frente para outros que receberam poucas oportunidades quando nasceram.
Eu também sou sortudo de que minha filosofia de filantropia foi abraçada de forma entusiástica — e ampliada — pelas minhas duas esposas.
Nem eu, Susie ou Astrid, que veio depois dela, acreditamos na riqueza dinástica. Em vez disso, compartilhamos a visão de que oportunidades iguais devem começar no nascimento, e estilos de vida extremos “olhem para mim” devem ser permitidos, mas não admirados.
Como família, tivemos tudo que sempre precisamos ou simplesmente o que quisemos, mas não buscamos prazer no fato de que outros desejavam o que tínhamos. Também tem sido um prazer particular para mim que muitos acionistas antigos da Berkshire chegaram de forma independente numa visão semelhante.
Eles economizaram — viveram bem — cuidaram de suas famílias e, por meio da composição prolongada de suas economias, passaram grandes, algumas vezes enormes, quantidades de dinheiro de volta para a sociedade. Seus “cheques” têm sido amplamente distribuídos aos menos afortunados.
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Com essa filosofia, eu tenho vivido da forma que eu queria desde os meus vinte anos de idade, e assisti meus filhos crescerem e se tornarem cidadãos bons e produtivos.
Eles têm visões diferentes em muitos casos de mim e de seus irmãos, mas têm valores comuns que são inabaláveis. Susie Jr., Howie e Peter gastaram mais tempo cada ajudando os outros do que eu passei. Eles gostam de estar confortáveis financeiramente, mas não estão preocupados com a riqueza.
A mãe deles, de quem eles aprenderam esses valores, estaria muito orgulhosa. Assim como eu.
O posto A carta emocionante de Buffett sobre herança e oportunidades apareceu primeiro em Brazil Journal.