O Queijo Minas Artesanal chegou lá. Seus produtores continuam na luta

BELO HORIZONTE – Pelo menos uma vez por semana, meu avô Waldir, de 93 anos, pega um ônibus e vai ao Mercado Central de Belo Horizonte comprar queijo Minas. Às vezes volta com o ‘frescal’, outras com um ‘meia cura’, mas a queijeira está sempre abastecida — seja para acompanhar o café, dar uma enganada na fome, ou no caso de alguma visita aparecer.

Esse é um costume hereditário em Minas Gerais, que existe porque milhares de famílias do estado se dedicam há séculos à produção artesanal do alimento.

No Brasil, a relação íntima entre o mineiro e seu ‘queijin’ já é bem conhecida e documentada. 

Agora é a vez do mundo.

Na semana passada a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) declarou que o modo de fazer o Queijo Minas Artesanal é um Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.

Segundo a Unesco, a prática simboliza a diversidade cultural e o conhecimento tradicional do País, que ligam gerações, fortalecem as identidades das comunidades locais e auxiliam no desenvolvimento econômico sustentável.

Ou seja, o título busca valorizar os produtores e perpetuar a maneira original de se produzir o laticínio, sem qualquer processo mecânico envolvido, que é o sustento de muitos desde o século XVIII.

A história do queijo Minas começa após a descoberta do ouro no estado. Na época, colonizadores ocuparam a região e trouxeram alguns de seus costumes, como o gosto pelo alimento.

“Os portugueses passam a produzir queijo aqui a partir do leite cru,” José Newton Meneses, um historiador e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) disse ao Brazil Journal. “E o território de Minas conversa com isso porque tem a produção leiteira.”

As técnicas utilizadas, diz Meneses, indicam uma possível inspiração no Queijo Serra da Estrela, produzido na cordilheira no centro de Portugal. Outros apontam que o produto final se assemelha mais ao Queijo São Jorge, feito na ilha homônima nos Açores.

“O importante é que, na época, Minas Gerais tinha uma economia de abastecimento alimentar muito representativa, similar à aurífera (do ouro). E o queijo, resultado da influência portuguesa somada ao diálogo com outras culturas, foi atendendo essas necessidades e caindo no gosto da população até se tornar um símbolo,” disse o professor. “Hoje o queijo significa Minas e significa o mineiro.”

O clima ameno é um ponto em comum dos locais onde a prática persistiu. A partir disso, cada território — ou terroir, palavra utilizada pelo setor vinícola para definir a singularidade do ambiente em que um vinho é produzido — foi conferindo características e mofos próprios aos seus laticínios, que se tornaram suas identidades.

Hoje há 10 regiões produtoras de Queijo Minas Artesanal reconhecidas oficialmente: Serra da Canastra, Serra do Salitre, Araxá, Cerrado, Triângulo Mineiro, Serro, Diamantina, Entre Serras da Piedade ao Caraça, Campo das Vertentes e Serras da Ibitipoca.

E apesar das singularidades, seus queijos compartilham “modos de fazer” e lista de ingredientes: leite cru, coalho, sal e o “pingo”. 

Depois da ordenha, o leite é filtrado e há as adições do “pingo” e do coalho. O primeiro, fermento natural, é um reaproveitamento do soro que escorreu da produção do dia anterior. O outro é um extrato de enzimas de origem animal utilizado para provocar a coagulação do leite.

Em um tanque, o leite coagula e o produtor separa a massa do soro. A massa é então colocada em formas arredondadas e prensada com as mãos. Seguem-se dois momentos de salga seca e a desenformagem. O produto ainda é ralado para tirar suas imperfeições e lavado antes de passar ao processo de maturação.

Agora eu escreveria um parágrafo elencando dados sobre o setor, como o número de famílias produtoras, toneladas produzidas, etc. Mas não há números fidedignos, já que a maioria dos produtores não é registrada, disse Débora Pereira, da ONG SerTãoBras.

Antes, era preciso conseguir um carimbo federal atestando condições higiênicas e sanitárias para vender um queijo nacionalmente. Mais recentemente, foram criados dois selos com foco em produtos artesanais, Arte e Queijo Artesanal, que elevam registros estaduais e municipais ao âmbito federal. 

Mas o efeito prático ainda parece limitado. No site do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), o órgão que concede os registros estaduais, consta uma lista com pouco mais de 100 produtores certificados.      

Os custos para conseguir e manter a certificação são altos, diz José Ricardo Ozólio, presidente da Associação Mineira do Queijo Artesanal (Amiqueijo). “Eu mesmo já gastei R$ 150 mil em reformas. Falta capital de giro, acesso a crédito.”

Há ainda questões culturais, como a relação cômoda dos produtores com os queijeiros, que recolhem queijos diretamente nas fazendas para vender sem certificação. “Essas pessoas são importantes e estão na cadeia produtiva, mas precisamos ter segurança no processo.”

Débora, da SerTãoBras, diz que o Brasil se beneficiaria ao adotar uma abordagem semelhante à europeia, com mais foco na qualidade do produto final.

As dificuldades de certificação não impediram, no entanto, que queijos de qualidade se destacassem em competições internacionais desde 2015, ano em que o queijo Estância Capim Canastra ficou em segundo lugar no Mondial du Fromage de Tours, na França.

Fundador da Galeria do Queijo e jurado de concursos do setor, Falco Bonfadini diz que o produto surpreende seus pares internacionais. “O queijo Minas conserva característica rústica e perfil ácido, algo que já se perdeu em muitos lugares. Isso tem sido compreendido e valorizado,” disse. “Mas antes de pensar em exportar, temos um mercado interno enorme para conquistar.”

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