No ‘O Auto da Compadecida 2’, evite comparações 

Perto do final de O Auto da Compadecida 2, um diálogo assume a metalinguagem e chama atenção no filme que entra em cartaz nos cinemas nesta quarta, 25, dia de Natal. Rosinha, personagem da atriz Virginia Cavendish, comenta com Chicó, interpretado pelo ator Selton Mello: “Sempre vai ter alguém que vai achar a primeira história melhor.” O rapaz, popular pela lábia de narrador, rebate: “Sempre vai ter alguém que vai querer conhecer uma nova história.”

Parece quase uma justificativa dos diretores Guel Arraes e Flávia Lacerda por trazerem à tona novamente as peripécias da dupla Chicó e João Grilo, imortalizada por Mello e Matheus Nachtergaele no filme lançado em 2000 e visto por visto por 2,1 milhões de pessoas. Antes, em janeiro de 1999, a obra já havia arrebatado os telespectadores no formato estendido de uma minissérie da Rede Globo.

Os cineastas mexeram em um vespeiro ao criar uma sequência para o longa, que foi fielmente adaptado da peça do escritor paraibano Ariano Suassuna (1927-2014). Como a premissa teatral não tem uma continuação, os roteiristas Arraes, João Falcão, Adriana Falcão e Jorge Furtado – inspirados no universo de Suassuna – redesenharam os principais personagens depois de um salto de tempo. Traz mais do mesmo, porém é melhor evitar comparações.

Nos anos de 1950, o desaparecido João Grilo volta a colocar os pés em Taperoá, no sertão, passadas duas décadas. A razão não é explicada, mas ele e Chicó se afastaram, e o antigo parceiro passou a explorar a imagem de Grilo, transformado em um lucrativo mito na região.

O personagem de Mello vende imagens a religiosos e turistas e alimenta a lenda em torno do amigo que, assassinado por um cangaceiro (o ator Enrique Diaz), foi julgado na porta do céu e conquistou direito à ressurreição.

Dispostos a faturar mais alto, Grilo e Chicó se unem novamente e viram objeto da atenção de dois políticos em época de eleição municipal, o Coronel Ernani (papel de Humberto Martins) e o radialista e comerciante Arlindo (representado por Eduardo Sterblitch). A mocinha da vez é Clarabela (a atriz Fabiula Nascimento), filha de Ernani e atriz na capital que passa férias na fazenda do pai.  Já Rosinha, a antiga paixão de Chicó, volta emancipada e com ares feministas. “Virei caminhoneira,” avisa.     

Depois de certa altura quem deseja encontrar novidades pode se aborrecer com O Auto da Compadecida 2. Dentro de uma liberdade relativa, os diretores e os roteiristas inventaram um enredo que repete as soluções da peça de Suassuna, como a morte de Grilo e sua ressurreição.

De fôlego, a trama política poderia ser aprofundada – mas as malandragens de Grilo e Chicó perderiam a leveza em nome de conotações críticas. O objetivo, certamente, é manter a sequência o mais próxima possível do original para evitar decepções nos velhos fãs.

Mas quem seria o público capaz de aderir ao filme nos dias de hoje? É importante pensar que, quase 25 anos depois, duas novas gerações começaram a se interessar pelo audiovisual, e talvez estas pessoas não guardem referências das criações de Mello e Nachtergaele, ou tampouco, infelizmente, ouviram falar de Suassuna. Então O Auto da Compadecida 2, quem sabe, tenha sido idealizado para os jovens que nem tinham nascido ou frequentavam cinema em 2000.

Com a popularização da internet e a adesão às séries estrangeiras, um novo consumidor procura diversão no audiovisual. Como em remakes de novelas, o espectador saudosista é minoria; o alvo é quem desconhece a história. Por isso, o filme se sustenta autônomo, e a atualização nos perfis de alguns personagens é fundamental, como no caso de Rosinha, que reaparece empoderada.

Continuam, entretanto, encantadoras as interpretações de Mello e Nachtergaele, ótimos atores que repetem uma liberdade típica dos palhaços em um picadeiro. Aliás, a presença do versátil Mello no drama político Ainda Estou Aqui, grande sucesso do momento, deve ajudar no engajamento dos jovens ao Auto 2.

No time coadjuvante, Luís Miranda, como o malandro Antônio do Amor, se destaca com o talento para a caracterização de diferentes personagens. Ele é um antigo comparsa dos tempos em que Grilo morou no Rio de Janeiro.

Para ampliar a comunicação, o filme exibe flashbacks do original, a exemplo da morte de Grilo e seu julgamento por Jesus (o ator Maurício Gonçalves) e pelo Diabo (Luís Melo) e o veredicto dado por Nossa Senhora (Fernanda Montenegro). Agora, a Compadecida é representada por Taís Araújo e se torna flagrante o escasso impacto na aparição de tão forte personagem.

Desta forma, porém, é fácil cair nas comparações e apontar falhas em O Auto da Compadecida 2. Como conversam Chicó e Rosinha no filme, sempre haverá alguém que vai preferir a primeira parte, mas também milhares de outros poderão se divertir com uma nova história. É nisto que os diretores Guel Arraes e Flávia Lacerda apostam para repetir o fenômeno. 

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