Wall Street teme a recessão. Trump diz que não é hora de ‘panicar’

Titãs de Wall Street que vinham evitando criticar Donald Trump publicamente alertaram que os EUA poderão mergulhar em uma recessão profunda e duradoura caso não haja uma trégua na guerra comercial.

Larry Fink, o CEO da BlackRock, disse que os executivos com os quais ele tem conversado afirmam, em sua maioria, que os EUA já entraram em uma desaceleração significativa.

“Um CEO, especificamente, disse que a indústria da aviação é um dos ‘canários da mina’ – e esse canário já está doente,” Fink disse em um evento no Economic Club de Nova York. (‘Canary in the coal mine’ é a expressão em inglês para falar sobre o risco de um desastre. Na mineração de antigamente, os passarinhos eram usados para indicar o risco de falta de oxigênio no ar dentro da mina.)

Fink contestou a visão de que o Federal Reserve poderá acelerar a redução dos juros.

“Vejo zero possibilidade na avaliação de que o Fed vai cortar quatro vezes neste ano,” afirmou. “Estou muito mais preocupado [com a possibilidade] que tenhamos uma inflação elevada que levará os juros acima de onde estão hoje,” disse o CEO da BlackRock.

Jamie Dimon, o CEO do JP Morgan, escreveu na sua carta anual aos acionistas que o aumento nos impostos de importação vai impactar os preços, elevar a inflação e desacelerar a economia.

“Deveremos ver consequências inflacionárias, não apenas nos produtos importados, mas também nos preços internos, porque os custos dos insumos aumentam e aumenta a demanda por mercadorias domésticas,” escreveu. “Se as tarifas vão causar uma recessão continua uma questão em aberto, mas elas vão desacelerar o crescimento.”

Dimon foi o primeiro grande banqueiro de Wall Street a comentar publicamente o tarifaço de Trump.

“Os mercados ainda parecem precificar os ativos sob a suposição de que teremos um soft landing. Não estou certo disso,” disse o CEO do JP Morgan.

Para Dimon, as incertezas pesarão sobre o sentimento dos empresários e dos investidores – e poderão ter efeitos de longo prazo.

“Quanto mais rápido isso seja resolvido, melhor, porque alguns dos efeitos negativos aumentam cumulativamente ao longo do tempo e serão difíceis de ser revertidos,” disse Dimon. “No curto prazo, vejo isso como uma grande palha adicional nas costas do camelo” – ou seja, um acúmulo de problemas que pode dobrar a economia americana.

Já Stan Druckenmiller, em um raro tuíte, respondeu uma postagem que havia lhe atribuído o apoio à política tarifária de Trump. “Não defendo tarifas que excedam 10%,” escreveu.

Até Elon Musk, o fiel aliado e conselheiro de Trump, demonstrou preocupação – ao menos indiretamente – ao fazer postagens a favor de um acordo para zerar as tarifas no comércio entre os EUA e a União Europeia – “efetivamente criando uma zona de livre-comércio.”

Musk criticou também Peter Navarro, o principal conselheiro de Trump para assuntos de comércio internacional, dizendo que um PhD em Economia de Harvard – como Navarro – é “algo ruim, não positivo.”

O empresário postou horas depois um vídeo de Milton Friedman, o histórico e influente liberal americano, fazendo a defesa do livre-comércio.

Navarro, em uma entrevista à CNBC, elogiou a atuação de Musk na redução de gastos públicos, mas disse que ele está equivocado com relação às tarifas.

“Elon é um fabricante de carros – um montador de carros,” afirmou Navarro. “Ele quer partes importadas baratas.”

Navarro condenou o protecionismo europeu com relação à importação de carnes. Disse ainda que o sistema tributário europeu, de impostos sobre valor agregado, favorece as exportações da região e torna as mercadorias dos EUA menos competitivas nos países da UE.

Os comentários foram feitos depois de a presidente da Comissão Europeia, a alemã Ursula von der Leyen, ter feito uma oferta de derrubar a zero as tarifas incidentes sobre carros e outros produtos manufaturados dos EUA.

“Vocês roubam do povo americano de todas as maneiras possíveis,” disse Navarro. “Então não venha dizer que vão reduzir as tarifas.”

No tiroteio dentro do ninho dos falcões trumpistas, chamou atenção os ataques de Bill Ackman, o fundador da gestora Pershing Square, dizendo que as tarifas podem trazer um “inverno nuclear auto-induzido.”

Ackman, até então um ardoroso Defensor de Trump,  publicou um tuíte no domingo suplicando para que o Presidente pausasse as tarifas enquanto fosse executado um plano para “consertar um sistema de tarifa injusto.”

O investidor criticou a “indiferença” de Howard Lutnick, o secretário de Comércio e ex-CEO da Cantor Fitzgerald, diante do “crash no mercado acionário e na economia.”

“Ele e a Cantor estão comprados em títulos,” tuitou Ackman. “Eles lucram enquanto a economia implode.”

Horas depois, Ackman pediu desculpas e disse que foi “injusto” com Lutnick.

Ackman virou ele próprio alvo de ataques e ironias.

“Você já destruiu todas as suas pontes com o MAGA,” comentou o economista Nouriel Roubini. “Parece que você não entendeu que […] esses lunáticos querem trazer de volta para os EUA não apenas a produção de carros e de aço, mas também de camisetas e tênis que hoje são fabricados no Vietnã, Camboja e Bangladesh! Make America Great Again com T-shirts de US$ 1 – produzidas na Ásia – que custariam US$ 30 se fabricadas nos EUA.”  

Trump: ‘Don’ be a PANICAN’

As críticas de Wall Street e do empresariado – incluindo alguns influentes executivos e investidores que o apoiaram nas eleições de novembro – não demoveram Trump.

“Os EUA têm a chance de fazer aquilo que deveria ter feito DÉCADAS ATRÁS,” escreveu o Presidente em post nas redes sociais. “Não seja Fraco. Não seja estúpido. Don’t be a PANICAN (Um novo partido baseado em pessoas Fracas e Estúpidas! Seja Forte, Corajoso e Paciente, e a GRANDEZA será o resultado.”

Falso negativo

“HASSETT: TRUMP IS CONSIDERING A 90-DAY PAUSE IN TARIFFS FOR ALL COUNTRIES EXCEPT CHINA!”

Era pouco mais de 10h da manhã, no horário de Nova York (11h em Brasília), quando o news alert piscou nos terminais dos traders de todo o planeta, com a notícia de que Trump estaria pensando em suspender o tarifaço por 90 dias. A informação era atribuída a Kevin Hassett, o chairman do Council of Economic Advisers da Casa Branca.

Em segundos, o S&P 500 saiu do vermelho e virou para uma alta de mais de 3%.

Bancos de Wall Street chegaram a distribuir a suposta notícia para os seus clientes.

Cerca de 30 minutos depois, no entanto, a Casa Branca, em uma postagem nas redes sociais, desmentiu a informação, dizendo que as declarações de Hassett haviam sido interpretadas erroneamente.

“O Presidente dos EUA foi claro – ‘Não há mudança nenhuma, mas especialmente com a CHINA!!!’”

Com relação à China, Trump anunciou a sua intenção de aplicar uma carga adicional de tarifas de 50% caso o país não volte atrás em sua decisão de retaliar os EUA com impostos de importação de 34%, em uma ação de reciprocidade.

Segundo Trump, a medida será efetivada na quarta-feira, 9 de abril. Caso isso ocorra, a taxação sobre importações chinesas será de 94% (50% + 34% anunciados na semana passada + 20% anunciados anteriormente).

O dia de elevada volatilidade nos mercados americanos chegou ao fim com o S&P 500 recuando apenas 0,2%. O Nasdaq subiu 0,1%.

A oscilação foi alta também no mercado de títulos. Mas o yield dos Treasuries de 10 anos voltou a ficar acima de 4% – fechou próximo de 4,2%.

No Brasil, o dólar subiu 1,29%, indo a R$ 5,91. O Ibovespa tombou 1,21%.

Estagflação = melhor cenário?

“A estagflação agora é o best-case scenario para os EUA,” escreveu o economista Bill Dudley, ex-presidente do Federal Reserve de Nova York, em um artigo na Bloomberg.

Segundo Dudley, as tarifas médias subirão de 3% para 25% – “é dez vezes o que Trump fez em seu primeiro mandato.”

“Nos próximos seis meses, a inflação anualizada vai subir para perto de 5%,” disse Dudley. “As tarifas aumentam os preços dos importados e, como os produtores domésticos ficam protegidos da competição, eles se aproveitarão da situação para subir preços também.”

Dudley, que foi economista-chefe da Goldman Sachs, calcula que as barreiras protecionistas e o combate à imigração vão derrubar o potencial de crescimento da economia americana para 1%, um terço do PIB potencial estimado entre 2,5% e 3% no ano passado.

O Fed, em sua opinião, terá que ser “muito cuidadoso” porque uma diminuição nos juros para enfrentar a desaceleração poderá alimentar ainda mais a inflação.

“A combinação de crescimento mais baixo, inflação mais elevada e um Fed inflexível não será boa para as ações,” disse Dudley.

“Não estamos mais em 2019, quando a inflação abaixo da meta permitiu que o Fed cortasse os juros como ‘seguro’ contra a inflação,” escreveu o economista. “Hoje os mais poderosos bancos centrais do mundo têm menos espaço para manobra.”

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