A Cogna não é mais a mesma, e o papel voltou a andar. Conversamos com o CEO

Apesar de ainda estar distante dos tempos áureos, a ação da Cogna é o grande destaque do Ibovespa em 2025: desde o início do ano, o papel já andou 126%.

Nos últimos 12 meses, o papel sobe 22,5%, comparado a uma alta de 5,5% na Yduqs e uma queda de quase 10% na Anima. 

Para o CEO Roberto Valério, o principal trigger para esta performance foi a Cogna ter entregado o guidance do ano passado. 

Em 2024 a Cogna fez um EBITDA de R$ 2,17 bilhões e uma geração de caixa operacional de R$ 1,04 bilhão – praticamente em linha com os valores prometidos em 2020, quando a empresa publicou um guidance para os quatro anos seguintes. 

Mas o ceticismo ainda é grande. 

Analistas e gestores disseram ao Brazil Journal que preocupa o fato do resultado ter sido impactado por efeitos não-recorrentes – como R$ 806 milhões de reversão de contingências tributárias. 

Na semana passada, o JP Morgan rebaixou a ação de ‘compra’ para ‘neutro’, dizendo que ainda há pouca visibilidade sobre a geração de caixa futura. Além disso, o banco diz que a empresa está muito exposta no EAD, que hoje enfrenta o risco de uma nova regulamentação. 

Valério não vê as coisas dessa forma. 

“A gente é transparente e mostramos tudo. O investidor é que precisa decidir se é one-off ou não. Mas é curioso: quando impacta negativamente, ninguém chama de one-off. Quando reverte, aí chamam,” disse Valério. 

O CEO, que substituiu Rodrigo Galindo no comando da empresa no início de 2022, disse que a Cogna deve continuar crescendo ao mesmo tempo em que gera cada vez mais caixa – uma das principais demandas dos investidores. 

“Nossa prioridade número 1 é retorno ao acionista. Vamos pagar R$ 120 milhões em dividendos este ano, referentes a 2024. Também concluímos um programa de recompra e já iniciamos outro,” disse Valério. “A segunda prioridade é reduzir a dívida líquida — já cortamos R$ 400 milhões — e também alongar o perfil.”

A Cogna fechou a semana passada valendo R$ 4,6 bilhões na Bolsa e negocia a um múltiplo EV/EBITDA de 5,1x para os próximos 12 meses – um prêmio sobre a Yduqs e a Anima, que negociam a 4,6x e 4,2x, respectivamente. 

Valério conversou com o Brazil Journal sobre a nova Cogna. Abaixo, os principais trechos da entrevista, e um vídeo com os melhores momentos.

Vocês anunciaram no Cogna Day que o turnaround acabou. Mas acabou mesmo? 

O turnaround acabou há mais de dois anos. Lá no fim de 2020, em plena pandemia, demos um guidance de quatro anos, prevendo que precisaríamos reorganizar o negócio após o fim do FIES, a mudança da regulação do EAD e a alta dos juros.

O plano tinha duas etapas: dois anos de reestruturação e dois anos de crescimento no novo modelo. A primeira etapa foi sobre ajustar a estratégia, cortar custos, mudar o portfólio. A segunda já foi de crescimento — com a empresa mais enxuta e saudável nos últimos dois anos.

Quais foram as principais mudanças?

Primeiro viramos uma empresa asset light. Vendemos nossas escolas e mantivemos foco em ativos que consomem menos capital, como EAD e sistemas de ensino. Segundo, deixamos de ser uma holding com quatro empresas independentes e viramos uma companhia com quatro unidades de negócio — o que reduziu o overhead, acelerou decisões e trouxe sinergias. 

Na Kroton, fechamos 35% dos campi físicos e passamos a operar via polos parceiros. Também eliminamos o PEP, nosso programa de financiamento, que comprometia o caixa. Ajustamos a política de crédito e renovação, mirando receita mais saudável e previsível.

Como essa estratégia impactou o balanço? 

Lá em 2021, nossa receita chegou a cair 19% num trimestre — enquanto nossos pares cresciam 15%. Mas era uma escolha nossa: ser menor, mas mais rentável. E funcionou. O EBITDA saiu de R$ 690 milhões para quase R$ 2 bilhões. A geração de caixa pós-capex foi de R$ 240 milhões para R$ 1,05 bilhão. Hoje temos uma operação com margem alta, receita recorrente e geração de caixa consistente.

É possível sustentar esses números daqui para frente?

Já são 16 trimestres com a mesma estratégia e com crescimento. Se a nossa safra de vestibular crescer entre 5% e 10% ao ano, como vem acontecendo, com estrutura de custo fixa, a margem só tende a melhorar. Esse crescimento de receita empilhada, combinado com disciplina em despesas, bate no lucro líquido — como voltou a acontecer em 2024, após cinco anos.

Mas o mercado ainda tem dúvidas. Dá para garantir que a trajetória de crescimento continua?

Dá, porque as mudanças foram estruturais. O investidor que olhar os últimos quatro anos vai ver crescimento constante de EBITDA, geração de caixa e margens. E o melhor: é um movimento sustentável, não pontual.

O mercado se preocupou com os ganhos não-recorrentes do quarto tri. Eles distorcem os números?

A gente é transparente. Mostramos tudo. O investidor que decida se é one-off ou não. Mas é curioso: quando impacta negativamente, ninguém chama de one-off. Quando reverte, aí chamam. Nosso foco é seguir entregando margem e geração de caixa — com ou sem não-recorrentes.

Então por que não divulgaram um novo guidance, uma das demandas do mercado?

Porque quem entrega 16 trimestres como um reloginho não precisa de guidance. Cada analista pode fazer sua projeção. Nosso trabalho é executar.

O que vocês aprenderam com os erros do passado?

O setor mudou muito. O FIES acabou, o EAD se abriu, a pandemia veio. O que funcionava antes não fazia mais sentido. O PEP, por exemplo, gerava caixa só lá na frente. A expansão de campi era incoerente com o novo modelo. Fizemos um repensar estratégico em 2021. Hoje temos uma Cogna mais diversa — com graduação, EAD, sistemas de ensino, vendas para o governo, OPMs e até infoprodutores.

Crescer ou gerar caixa: qual é a prioridade?

Os dois. O core (graduação e sistemas de ensino) gera caixa. Já os novos negócios focam em crescimento –  e o core financia o futuro.

A taxa de ocupação dos campi segue em baixa. Como melhorar isso?

Hoje ela está em 55%, porque muitos contratos são antigos e não dá para devolver espaços agora. Mas entre 2027 e 2029, vencem R$ 230 milhões em contratos de aluguel. Vamos renegociar, reduzir área, realocar campi — e aumentar a ocupação.

Por que você acha que o mercado voltou a gostar da ação?

Porque começou a olhar melhor. Estávamos fora do radar. Mas agora, todo indicador que você olhar está subindo – como receita, EBITDA, margem, caixa, lucro, desalavancagem. E também entregamos o guidance. O que mudou? Nada. A estratégia é a mesma nos últimos 16 trimestres. Só agora estão prestando atenção.

Quais são as maiores apostas da empresa a partir de agora?

São quatro grandes frentes. A primeira é a franquia bilíngue, que une aprovação em vestibulares com formação em inglês. Já temos 40 contratos assinados. A segunda é a venda de soluções para governos, especialmente de recuperação de aprendizagem — já atendemos estados como Pará e Paraná, e cidades como Sobral. A terceira é o modelo OPM (Online Program Manager), prestando serviço para a pós-graduação para marcas como Mackenzie e a São Camilo. E a quarta são os infoprodutores — médicos, advogados e especialistas que querem oferecer educação com nossa infraestrutura.

Com tudo isso, a graduação vai perder peso no grupo?

Sim. Ela representava quase 100% da receita em 2018. Hoje é 60%. A tendência é cair mais, de forma gradual. Os outros negócios crescem mais rápido. Mas mesmo na graduação temos expansão com cursos técnicos, profissionalizantes e pós.

E a regulação do EAD? Como estão vendo o impacto das mudanças?

Somos favoráveis à presencialidade e à supervisão. 

Nosso curso de Enfermagem, por exemplo, nasceu com 60% de presencial. Hoje, a regulação permite ter cursos com apenas 30% de presencial. Ou seja, se voltar para 60%, não muda nada para a gente — nosso modelo original já previa isso. O problema é estrutural: o presencial exige mais processos regulatórios. Mas operamos com laboratórios reais, com auditoria remota em tempo real. Estamos preparados para qualquer cenário.

E como fica a alocação de capital nesse novo momento?

Nossa prioridade número 1 é retorno ao acionista. Vamos pagar R$ 120 milhões em dividendos este ano, referentes a 2024. Também concluímos um programa de recompra e já iniciamos outro. A segunda prioridade é reduzir a dívida líquida — já cortamos R$ 400 milhões — e também alongar o perfil dela. 

O modelo de grandes aquisições então ficou no passado?

Totalmente. Grandes M&As, como se falava no passado, só se surgirem oportunidades.

Mas o mercado continua ventilando uma fusão entre Cogna e Yduqs. Isso faz sentido?

As fusões sempre fazem sentido porque geram sinergia. Mas são coisas incontroláveis, depende da circunstância. É algo que nós e o conselho estamos sempre atentos, mas não há nada no radar. 

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