As provocações incômodas de Peter Thiel

Peter Thiel deu há poucos dias uma das entrevistas mais incômodas (e talvez necessárias) dos últimos tempos. Em uma conversa franca com Ross Douthat para o The New York Times, o bilionário e pensador libertário expôs ideias que desafiam convenções tecnológicas, políticas e até espirituais.

Thiel é uma figura marcante e polarizadora do nosso tempo. Foi cofundador do PayPal, o sistema que revolucionou os pagamentos online; primeiro investidor externo do Facebook, que ajudou a moldar a era das redes sociais; e cofundador da Palantir, uma das mais poderosas e controversas empresas de análise de dados do mundo, que serve a governos e corporações.

Thiel não é apenas um investidor com um toque de Midas: é um filósofo da tecnologia e um ativista político conhecido por suas visões independentes, heterodoxas e frequentemente polêmicas. Uma voz que divide opiniões, seja por apoiar Donald Trump ou por questionar dogmas modernos.

Ele se deleita em desafiar o status quo, seja qual for, e sua última provocação mira no coração da narrativa de progresso que o mundo da tecnologia vende a si mesmo.

O cerne da entrevista é uma crítica afiada ao que ele vê como uma “estagnação” do progresso do mundo desde os anos 70, o que ele considera “um desconforto quase religioso” para uma sociedade que idolatra o Vale do Silício como seu redentor. 

Para Thiel, o progresso tecnológico estagnou em áreas cruciais como transporte, energia, saúde e exploração espacial, enquanto nos contentamos com melhorias marginais, onde as mentes mais brilhantes da nossa geração são direcionadas para otimizar a publicidade online ou criar o próximo aplicativo viciante.

“Em dois séculos, saímos das velas ao vapor, à aviação supersônica e à Lua. Depois? Paramos de voar mais rápido, não demos conta de vencer o câncer, e a promessa de reverter o envelhecimento ou colonizar Marte ainda parece uma miragem distante.”

Mas a parte mais provocadora da entrevista é sua crítica à inteligência artificial. Enquanto o mundo celebra os Large Language Models, como o ChatGPT, e automações feitas por agentes de IA, Thiel os vê como distrações.

Deixamos de lado os moonshots, projetos audaciosos que poderiam, de fato, alterar radicalmente a condição humana. Falamos aqui de energia abundante e limpa, de revoluções na medicina que estendam a vida com qualidade, de exploração espacial que garanta a sobrevivência da espécie e de uma busca real pela verdade.

Essa visão não é apenas técnica; é um grito de alerta. 

Thiel argumenta que o problema não está na tecnologia em si, mas na falta de ousadia para sonhar grande. Ele diz que as últimas gerações são talentosas mas acomodadas, que preferem refinar o que existe a arriscar o novo. 

E sugere que essa apatia cultural, alimentada por regulações excessivas e um ambientalismo radical que ele considera míope, nos afastou de um futuro digno desse nome.

“Nunca tivemos tanto QI reunido, mas não sabemos para onde apontar essa inteligência. Talento sem coragem vira commodity, desperdiçando a geração mais brilhante em melhorias marginais.”

A entrevista ganha contornos quase teológicos quando Thiel mergulha em reflexões sobre liberdade. Ele sugere que o verdadeiro risco existencial para a humanidade não vem só da tecnologia, mas de quem a controla. Thiel teme a ascensão de um governo mundial autoritário que, em sua visão, não chegará prometendo progresso descontrolado, e sim pregando a necessidade urgente de “parar tudo” diante de riscos existenciais.

Para Thiel, a salvação está na ação humana, em valores cristãos que rejeitam determinismos. É uma visão que mistura fé e pragmatismo, pedindo menos burocracia e mais experimentação.

O que fica desta entrevista é um convite ao questionamento. Thiel não oferece respostas fáceis, mas joga luz sobre uma verdade incômoda: estamos presos a um ciclo de mediocridade autoimposta.

Seus críticos o chamam de excêntrico ou paranoico, e é verdade que suas ideias sobre o Anticristo ou sua defesa de experimentos médicos sem freios podem soar exageradas. Mas ignorá-lo seria perder a chance de refletir sobre o que realmente nos move — ou nos paralisa.

E aqui está o ponto de esperança. A visão de Thiel, embora sombria em seu diagnóstico, carrega uma semente de otimismo. Ao expor a pobreza de nossas ambições, ele nos convida a elevá-las. Desafia-nos a rejeitar a tirania do incrementalismo e a reacender a chama da exploração e da descoberta que sempre definiu os maiores saltos de nossa espécie.

Se conseguirmos resgatar a ousadia dos séculos passados, canalizando talento e visão para além das telas, o futuro não precisa ser apenas uma versão ligeiramente melhorada do presente. Poderemos construir um futuro que hoje mal conseguimos imaginar. É um chamado para acordar, e talvez seja exatamente o incômodo de que precisamos para dar o próximo passo.

Felipe Lourenço é empreendedor, investidor e conselheiro de empresas de tecnologia. Está na Stanford Graduate School of Business, onde pesquisa inteligência artificial.

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