Nas próximas três semanas, as principais capitais do País – São Paulo, em especial – serão dominadas por sujeitos ruidosos trajando camisetas pretas, estampadas por bandas e cantores de sua preferência.
Embora sua aparência possa parecer pouco amigável, os fãs de heavy metal constituem uma plateia fiel, apaixonada e mais interessada na música de seus ídolos do que em sacar o aparelho celular e fazer selfies a todo momento.
A segunda quinzena de abril e a primeira semana de maio marcam a temporada de dois dos principais festivais dedicados ao gênero. O Monsters of Rock aconteceu ontem no Allianz Parque, com uma escalação calcada em nomes do rock pesado das décadas de 70, 80 e 90 – os cavalos de batalha foram o alemão Scorpions e o inglês Judas Priest, velhos conhecidos do público brasileiro.
Já o Bangers Open Air – nos dias 2, 3 e 4 de maio no Memorial da América Latina, em São Paulo – traz um leque mais variado.
Glenn Hughes, o ex-baixista e vocalista do Deep Purple, e as bandas Saxon e W.A.S.P. (lendas do rock pesado dos anos 1980, ainda que o Saxon tenha surgido na década anterior) se unirão a grupos como Sabaton e Powerwolf, que combinam elementos de música sinfônica e eletrônica em suas apresentações.
Além disso, o Bangers estende a programação para uma experiência além da música. Há espaços como o lounge, onde são servidas bebidas e comidas, uma área de recreação para pequenos, feiras de vendas de discos e camisetas, tatuagens e espaço para debates.
“O que eu mais ouço das pessoas é: ‘É a primeira vez que eu estou conseguindo ir para um festival com a minha família e meu filho não pede para ir embora.’ Por quê? Porque o cara vai ver o show, a mulher está com o filho no Espaço Kids, e depois todos se encontram para comer algo,” Claudio Vicentin, diretor do Bangers Open Air, disse ao Brazil Journal.
O admirador de heavy metal é um abnegado, ainda que tenha pouco espaço nos veículos tradicionais. Segundo dados da Crowley Broadcast Analysis, que afere a audiência das rádios, em 2024 o gênero teve a preferência de apenas 0,42% da população – ganha somente do rap, que tem a preferência de 0,40% (o campeão é o pop/rock, 66,35%).
Para a Kantar Ibope Media, apenas 10% do Target Group Index – que perfila as marcas, atitudes, hábitos e comportamento do consumidor – admite ser fã de heavy metal.
Mas quem consome rock pesado, contudo, o faz com fé inabalável – em especial, nas plataformas de streaming. A pesquisa do Spotify, por exemplo, aponta um aumento de 25% do consumo do gênero, de 2023 para 2024. É um público majoritariamente masculino, sendo 25% entre 18 e 24 anos e mais 25% entre 25 a 29.
As bandas mais populares são as que fazem um amálgama de rock pesado, música eletrônica e heavy metal: Slipknot, Linkin Park e System of a Down estão entre as campeãs de streams.
O relatório da Deezer, por seu turno, aponta um consumidor masculino (86,7%) e na faixa de 26 a 45 anos. Os prediletos são os artistas mais tradicionais, como Iron Maiden, AC/DC e Metallica, além dos brasileiros Angra, Sepultura, Shaman, Edu Falaschi e a revelação Black Pantera. E se as rádios tradicionais não dão bola para o gênero, é do Brasil o programa mais longevo dedicado ao rock pauleira – o Backstage, apresentado pelo jornalista Vitão Bonesso, que completou 37 anos no ar e hoje é transmitido pela Kiss FM, de São Paulo.
Embora o público brasileiro sempre tenha demonstrado carinho pelo rock pesado, foi somente no Rock in Rio de 1985 que o gênero foi visto como interessante comercialmente. Foi naquele período que eles ganharam o incômodo apelido de “metaleiros”, e a atitude belicosa – que se repetiu em 1991 e 2001– em relação a atrações de outros gêneros trouxe uma desconfiança por parte do mercado e de patrocinadores.
“Quando eu procurei apoio de uma gravadora para o primeiro Monsters of Rock, de 1994, eles me perguntaram por que eu não investia em cantores mais pop, como o Bryan Adams,” diz José Muniz Neto, responsável pelo Monsters of Rock. “Hoje existe um apego do fã ao festival.”
Muniz acredita que a perpetuação do gênero se deve aos avanços da tecnologia. “O surgimento dos CDs e agora das plataformas de streaming ajudaram as gerações futuras a escutar as bandas das mais diferentes décadas,” aponta.
Damaris Hoffman e Claudio Vicentin, do Bangers, acreditam que o bom resultado do Bangers se deve ao fato do público hoje não estar tão nichado. “Existe uma diferença do roqueiro de ontem e de hoje,” comenta Vicentin, que também é responsável pela Roadie Crew, uma publicação dedicada ao rock pesado. “Tempos atrás seria impensável uma capa do Slipknot,” confessa.
O heavy metal hoje é um gênero multifacetado e para todas as idades. “Hoje eu vejo que ele é consumido desde crianças de 10 anos até o sujeito de 80 anos. Ele ultrapassa gerações,” diz Paulo Baron, dono da Top Link, outra empresa especializada em shows do gênero.
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