Na Serra Gaúcha, o turismo ainda está debaixo d’água. Podemos mudar isso

Duas semanas atrás, Daniela Filomeno, que apresenta o Viagem & Gastronomia na CNN Brasil, visitou a Serra Gaúcha para gravar seu programa – e não dormiu na primeira noite.

O motivo da insônia: a situação que lhe foi relatada pelos pequenos empresários locais.

“Não vi nenhum sinal de destruição, a infraestrutura já se recuperou por completo. Mas o turismo ainda não voltou,” disse ela. “As pessoas precisam saber que eles já estão reabertos para o turismo, e é preciso viajar para lá para dar vida nova à região.”

Seis meses depois das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, o turismo em cidades como Gramado e Bento Gonçalves continua sofrendo, com restaurantes e vinícolas faturando muito abaixo do normal e lutando para sobreviver mais um dia. 

No Vale dos Vinhedos, pousadas que dependem completamente do turismo passam por uma situação desoladora, com turistas tão escassos que às vezes nem justificam o custo de abrir as portas.

Muitos desses negócios não foram atingidos diretamente pelas enchentes, mas o impacto indireto tem sido brutal. 

“No nosso caso, a água não chegou a entrar no restaurante, mas é como se tivesse entrado,” Enio Valli, o chef e proprietário do restaurante Guri, disse ao Brazil Journal. “A esperança é que no ano que vem, com o aeroporto funcionando 100%, as coisas comecem a normalizar.”

Segundo o chef, se a situação não voltar ao normal em 4 ou 5 meses, “muitos dos negócios que estão abertos hoje não estarão funcionando mais.”

O caso do Guri, um restaurante em Bento Gonçalves, é emblemático. 

Fundado por Enio há quatro anos, o restaurante de alta gastronomia vinha numa onda crescente nos últimos anos, ganhando prêmios e figurando com frequência nas listas de melhores restaurantes do Brasil. 

Antes das enchentes, o restaurante — que tem capacidade para 36 pessoas — vivia lotado, atendendo em média 400 clientes nos meses de baixa temporada e cerca de700 nos meses de pico (especialmente junho e julho). 

“Em maio, tínhamos 400 reservas, mas com a enchente acabamos atendendo só 20,” disse ele. “Nossa média nos últimos meses tem sido de 60 pessoas, com uma queda de 70% a 75% do faturamento. E isso é a situação geral aqui. Eu falo com hotéis, vinícolas, lojas, e os números são muito parecidos.”

Com a reabertura do Aeroporto Salgado Filho há duas semanas, a situação melhorou um pouco: o Guri recebeu 90 pessoas no mês passado. O problema é que o aeroporto ainda está com poucos voos, e consequentemente as passagens estão caras. 

Antes das enchentes o Guri abria todos os dias menos domingo, porque sempre entrava alguma reserva. “Começamos a abrir só se entrasse alguma reserva, porque senão não justificava o custo.”

A situação está difícil até mesmo para os grandes negócios da região. 

A Cave Geisse, uma das maiores vinícolas de espumantes do Brasil e reconhecida internacionalmente, também sentiu uma queda brutal no fluxo de clientes. 

Daniel Geisse, um dos sócios da empresa e filho do fundador, conta que recebia de 45 mil a 50 mil visitantes por ano nos últimos anos. 

“Nos três primeiros meses depois da enchente tivemos uma queda de mais de 90% no fluxo,” disse ele. “A partir do terceiro mês para cá, o fluxo está uns 60% abaixo do normal.”

Hoje, as coisas estão um pouco melhor, segundo ele, principalmente pelo turismo local: pessoas de Santa Catarina ou de Porto Alegre e arredores. 

“No fim de semana, que é quando esse público vem, o fluxo já está bem próximo da normalidade,” disse Daniel. “Mas durante a semana, que é quando vêm os turistas de fora do Estado, a redução ainda está muito grande.”

Cerca de 40% dos visitantes da Cave Geisse são das regiões do entorno; o restante vem de outros estados, principalmente São Paulo. No Guri, o número é parecido, com 70% das reservas feitas por paulistas. 

Daniel disse que apesar do aeroporto já ter reaberto, deve levar alguns meses para o fluxo de turistas voltar, já que as pessoas só vão começar a se organizar agora para viajar ao Rio Grande do Sul. “Para as próximas semanas, todo mundo já tem suas viagens planejadas, para outros destinos,” disse ele.  

A Cave Geisse tem sofrido, mas a empresa tem uma receita diversificada com vendas para restaurantes e lojas especializadas, o que absorve parte do baque.

Já a situação dos pequenos produtores é muito pior. 

Nos últimos anos, com o boom do turismo na região, muitos produtores montaram projetos de vinícolas pensados 100% para o turismo, com vendas apenas para visitantes que compram na própria vinícola e sem distribuição no varejo. 

Esses produtores têm sentido um impacto brutal — e muitos provavelmente terão que fechar as portas, disse Daniel. 

Lúcia Porto, uma moradora da região e fundadora do portal Brasil de Vinhos, tem visitado diversas vinícolas do Vale do Vinhedo nos últimos meses e disse que algumas chegaram a ser afetadas diretamente pelas enchentes. 

“Teve uma vinícola na cidade Barão, perto de Bento Gonçalves, que o açude do vizinho veio abaixo e eles perderam toda a plantação. Tiveram um prejuízo enorme,” lembra Lúcia. “A Caza Onzi, em Caxias do Sul, também sofreu perdas gigantes.”

Na Casa Onzi, metade dos 3 hectares de plantação foram destruídos pelas chuvas, e o prédio onde ficavam os tanques e as máquinas de envase veio abaixo, destruindo parte do maquinário. 

Hoje, quem visita a região já não vê esses sinais do desastre, mas o vazio do turismo continua.

Nota do editor:  Quando o Rio Grande do Sul foi devastado pelas enchentes, o Brasil prometeu não esquecer – mas seis meses depois, a reconstrução do Estado saiu das manchetes. Apesar disso, os gaúchos ainda precisam voltar à normalidade.  É hora de marcar aquela viagem romântica a Gramado ou Canela, ou de colocar a adega em dia com os vinhos e espumantes da Serra Gaúcha. Cada leitor e cada empresa pode fazer a diferença.

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