França e Japão: um caso de amor culinário

PARIS – Na França, nem a culinária escapou das revoluções. Liderado por personalidades como Paul Bocuse e os irmãos Pierre e Jean Troisgros, o movimento da Nouvelle Cuisine transformou radicalmente a gastronomia francesa nos anos 70, substituindo pratos clássicos, pesados e excessivamente cozidos por receitas leves e delicadas. 

E uma das grandes influências daqueles então jovens chefs veio da descoberta da culinária japonesa, com sua ênfase na simplicidade, no frescor dos ingredientes e no cuidado com a apresentação. 

Hoje em Paris a tendência tomou nova forma: chefs japoneses treinados em algumas das mais tradicionais casas da França vêm se destacando na cena gastronômica parisiense, combinando a técnica e os produtos locais com a precisão e o minimalismo nipônico. Agora são os japoneses criando uma nova maneira de se fazer cozinha francesa, num movimento que a revista Eater chama de “polinização cruzada” entre culturas.

A lógica parece ser a mesma daquela descoberta pelos jovens chefs da Nouvelle Cuisine. “Percebemos que cozinhávamos demais o peixe. O cozimento da lagosta passou de 25 para 10 minutos em quarenta anos, e o do linguado, de 40 para 10 minutos”, lembrou Pierre Troisgros (pai do nosso Claude), numa entrevista em 2011. “Como resultado, a minha cozinha ganhou em leveza e frescura, mas também em rigor.”

Nessa pegada, a oferta na cena gastronômica nipo-francesa em Paris é bastante diversa, incluindo desde menus bem japoneses, em que nigiris e sashimis incorporam ingredientes típicos da França, até pratos radicalmente fusion.

O movimento envolve até chefs que ostentam três estrelas Michelin em suas casas principais, como Yannick Allénno. No elegante complexo Pavillon Ledoyen, onde comanda a cozinha do estrelado Alléno Paris (para mim um dos melhores de Paris para quem pode gastar a partir de € 300 num menu-degustação), o chef abriu em 2018 o L’Abysse, um balcão de sushis desenvolvido em parceria com o mestre japonês Yasunari Okazaki, a quem havia conhecido em uma de suas mais de 30 viagens exploratórias ao país asiático, repetindo a saga dos pioneiros da Nouvelle Cuisine.

O L’Abysse conquistou sua segunda estrela Michelin dois anos depois e tornou-se o japonês mais estrelado da Europa. Em seu menu, combina nigiris e sashimis com ingredientes que remetem à tradição francesa, como caviar, manteiga, endívias e linguado. Hoje o balcão é comandado pelo chef Katsutoshi Tomizawa, depois que Okazaki foi escalado para abrir a filial do L’Abysse no Hotel Hermitage, em Monte Carlo.

A fusão nipo-francesa se aprofunda num restaurante de nome poético, o Neige d’Été, que quer dizer Neve de Verão. Numa região pouco turística, no 15ème Arrondissement, Hideki Nishi faz um mélange da tradição do restaurante de seus pais, em Matsusaka, com os conhecimentos que adquiriu com grandes chefs franceses em casas clássicas como Taillevent e George V.

Tanto como a chegada de uma nevasca em pleno verão, os pratos de Nishi sempre surpreendem e trazem a marca da fusão de duas culturas tão distintas. O ballotine recheado de pombo e foie gras acompanhado de creme de milho e o vol-au-vent de lagosta e bisque são dois pontos altos de um menu-degustação extremamente elegante, servido num ambiente onde a cor branca predomina e por um por time treinado na tradição nipônica de atenção ao cliente.

Com uma estrela Michelin, o Neige d’Été é realmente uma descoberta.

Já em Saint-Germain-des-Prés, numa região mais conhecida pelos restaurantes turísticos sem grandes apelos gastronômicos, destaca-se o Yoshinori, do chef japonês Yoshinori Morié, com passagem por casas clássicas parisienses como o antigo Auberge du 15. “Morié domina tão bem o cozimento do ris de veau quanto a preparação de foie gras,” elogia a crítica do guia Gault&Millau, um dos mais prestigiosos da França, referindo-se a dois ingredientes simbólicos da culinária francesa.

Chamado pelo guia Le Fooding de “neo-bistrô,” a casa possui uma estrela Michelin, ambiente intimista, com vigas de pedra e painéis de madeira tipicamente japoneses, e oferece um menu fusion delicado e floral, com apresentação excepcional.

A lista não termina por aí e inclui casas como o Akabeko, do chef Yasuo Nanaumi, ex-Troisgros e Lucas Carton, e o mais tradicional Sola, perto da Igreja de Notre Dame, apenas para mencionar algumas. Nelas, um novo e revolucionário mundo gastronômico nos faz descobrir formas e sabores inovadores e inesperados. 

Flávio Ribeiro de Castro ama comer e beber bem.

Chefs Yannick Alleno e Katsutoshi Tomizawa.

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