Na reta final da corrida para a Casa Branca, praticamente todos os institutos de pesquisa e os agregadores mostravam Kamala Harris à frente – e erraram novamente.
Enquanto isso, nos chamados mercados preditivos – plataformas em que investidores e empresas depositam dólares para fazer apostas – Donald Trump aparecia à frente com certa vantagem.
Nos mercados preditivos, “as pessoas estão putting money behind what they think, naquilo que elas consideram mais provável de acontecer,” disse Luana Lopes Lara, uma matemática brasileira e cientista de computação pelo Massachusetts Institute of Technology e co-fundadora da Kalshi, a maior empresa de aposta eleitoral legalizada dos EUA.
Uma ex-bailarina do Bolshoi que deixou o balé em segundo plano para estudar no MIT, Luana fundou a Kalshi em 2018 ao lado do colega Tarek Mansour. Ambos tinham 22 anos e estavam concluindo a graduação. A ideia surgiu dos estudos sobre como empregar a ‘sabedoria das multidões’ (the wisdom of crowds) para desenvolver mercados preditivos.
Para Luana, esses instrumentos são mais precisos do que as pesquisas de opinião, que são sujeitas a vieses dos entrevistados, dos entrevistadores e dos próprios realizadores das sondagens.
“Por exemplo, o risco de uma recessão: os mercados preditivos podem dar uma resposta melhor do que a opinião de dez economistas ouvidos pela Bloomberg,” comentou.
A Kalshi – que significa ‘tudo’ em árabe – é oficialmente uma financial exchange, e, como tal, regulada pela Commodity Futures Trading Commission (CFTC).
Sua proposta é promover apostas em qualquer tipo de situação, em perguntas cujas respostas são apenas ‘sim’ ou ‘não’. Ponderadas pelo valor dos contratos, as respostas fornecem a probabilidade implícita de algo acontecer.
Essas apostas funcionam muito mais como posições nos mercados de derivativos financeiros do que como as famosas casas de apostas britânicas – e em nada se parecem com as bets esportivas, frequentemente envolvidas em denúncias de manipulação.
Os contratos funcionam também como instrumento de hedge. Em vez de montar um portfólio complexo para se proteger de resultados futuros – ou ganhar dinheiro com eles –, o investidor faz sua aposta diretamente no assunto em questão.
Também como em contratos financeiros, os apostadores podem sair da posição a qualquer momento. A ‘marcação a mercado’ é feita ininterruptamente, conforme a oscilação das probabilidades.
Luana e Mansour, ambos com passagem pelas mesas da Citadel, perceberam que os investidores tinham dificuldades para fazer hedge em algumas situações, como aconteceu no caso do Brexit.
Para colocar no mercado os contratos de apostas eleitorais, a Kalshi precisou contestar na Justiça uma proibição imposta pela CFTC. Ganhou a disputa jurídica em setembro e novamente em outubro, em uma instância superior.
Com sede em Nova York, a Kalshi nasceu com apoio da aceleradora californiana Y Combinator e teve a firma de venture capital Neo entre seus primeiros financiadores. Em 2021, recebeu um aporte Série A de US$ 30 milhões liderado pela Sequoia, com participação de Charles Schwab, o chairman da Schwab, e de Henry Kravis, o CEO da KKR. No total, a empresa já levantou US$ 100 milhões desde sua fundação.
Ao contrário de outras empresas de apostas eleitorais, a Kalshi desde o início buscou operar com respaldo jurídico e regulatório. Os contratos são fechados no mercado americano.
Na semana passada, o aplicativo da Kalshi subiu ao posto de mais baixado na App Store. O seu site recebeu mais de 100 milhões de visitas. O total de apostas em sua plataforma passou de US$ 1 bilhão.
Outras empresas do tipo funcionam sem autorização dos reguladores americanos – e seus contratos são liquidados em criptomoedas ou em contas offshore. A maior delas é o Polymarket, que tem entre seus financiadores o fundador da cripto Ethereum, Vitalik Buterin, e o Founders Fund, a firma de venture capital de Peter Thiel.
Filha de uma professora de matemática e um engenheiro da IBM, Luana nasceu em Belo Horizonte e cresceu em Niterói. Sempre estudou muito e era competitiva, participando de diversas olimpíadas de matemática.
Ao mesmo tempo mantinha a dedicação ao balé. Selecionada para a Escola do Teatro Bolshoi em Joinville, mudou-se para a cidade catarinense. Chegou a dançar profissionalmente em Salzburgo, mas decidiu que havia chegado a hora de priorizar os estudos.
Tentou a sorte em algumas das mais renomadas universidades americanas: além do MIT, foi aceita por Harvard, Yale e Stanford.
Na universidade e nos estágios, descobriu o fascínio pelas finanças. Trabalhou na Bridgewater e na Five Rings Capital antes de ir para a Citadel.
Foram passagens breves. Desde o final de 2018, está concentrada na criação e no desenvolvimento da Kalshi.
As apostas são feitas tanto por pequenos apostadores, que tipicamente colocam US$ 100, como por gente que monta posições de dezenas de milhões de dólares. Para dar maior liquidez aos contratos, a empresa fechou em abril uma parceria com a Susquehanna, um market maker.
Para Luana, mercados preditivos pulverizados e líquidos dificilmente serão manipulados por grandes apostadores, as chamadas ‘baleias,’ como temem alguns reguladores e participantes do mercado.
“Existe essa discussão sobre small people versus big whales. Mas é difícil manipular o mercado, existem forças de correção,” disse ela. “Há muita pesquisa mostrando que preços errados tendem a se ajustar.”
O próximo passo no plano de negócios é estar na plataforma de grandes corretoras, como Fidelity, Schwab e Robinhood. “Queremos estar integrados aos principais brokers.”
A Kalshi promove também diversas apostas em finanças e economia.
Quais as chances de Federal Reserve um novo porte de 0,25 em dezembro? A probabilidade bateu em 95% no início de novembro, mas recuou para pouco menos de 70%, pela curva do contrato nesta quarta-feira – e, para muitos investidores, fazer um hedge ou uma aposta contrária ao consenso numa exchange de apostas pode ser muito mais simples e econômico do que operar derivativos.
“Quero lançar apostas para saber quem vai ganhar a próxima eleição no Brasil,” disse Luana. “Vamos ver quando conseguimos fazer isso. Espero que em breve.”
Ao menos por enquanto, só quem reside nos EUA pode colocar dinheiro nos contratos da Kalshi.
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