Toda decisão judicial cria incentivos ou desincentivos com consequências econômicas que podem ser danosas para a sociedade — fazendo, em alguns casos, com que a decisão tenha o efeito oposto daquele desejado pelo juiz.
Todo empresário sabe disto na pele, mas agora, esta é a tese central de um novo livro com a participação de dois ministros do STF, o presidente Luís Roberto Barroso e o decano, Gilmar Mendes.
“Decisões judiciais e suas consequências econômicas e sociais” — lançado semana passada pela Editora Singular — é um livro necessário no Brasil de hoje, onde a insegurança jurídica se tornou um assunto corriqueiro.
O livro mostra que um outro caminho é possível ao analisar 12 casos recentes julgados pelo STF e pelo STJ.
Cada caso é destrinchado por uma dupla formada por um jurista e um economista, escolhidos a dedo pelos organizadores: Guilherme Resende, o assessor especial da presidência do STF e professor de economia do IDP; e Amanda Flávio de Oliveira, advogada e professora de direito da UnB.
Resende disse ao Brazil Journal que decidiu fazer o livro para ajudar os juízes a refletir sobre o impacto de suas decisões.
“A conversa entre direito e economia não é tão difundida no Brasil,” disse ele. “Muitas decisões acabam não olhando para suas consequências econômicas, focando apenas na questão de direito.”
“Não acho que a questão econômica tem que ser o objetivo final das decisões; há direitos que têm que ser garantidos. Mas na análise de cenários sempre é importante levar em consideração os impactos na economia. Até porque a modulação de uma decisão às vezes já gera um resultado muito mais eficaz.”
O primeiro caso analisado no livro é a decisão do Supremo que autorizou a extinção de processos de execução fiscal de pequeno valor, buscando diminuir a sobrecarga no Judiciário.
“Foi uma aplicação direta de evidências para a tomada de decisão,” disse Guilherme, que escreveu o capítulo com Barroso.
“O STF viu que o protesto de dívida é mais vantajoso do que a execução em termos de custos, já que ele custa em média R$ 500 por processo, enquanto rodar a máquina do Judiciário para fazer a execução custa cerca de R$ 10 mil.”
Segundo ele, em menos de um ano dessa decisão já foram extintos 1,7 milhão de processos de execução, gerando uma economia de cerca de R$ 17 bilhões.
Outro caso presente no livro é a decisão do STF que tornou inconstitucional uma lei municipal que proibia o uso de carros de aplicativos, conhecida como o “caso Uber.” Além da questão do direito à livre iniciativa, o STF levou em consideração os benefícios sociais e econômicos que o serviço trazia para os consumidores e a sociedade.
O livro analisa ainda a decisão do Supremo sobre o piso da enfermagem.
Apesar da decisão inicial ter sido prejudicial às empresas do ponto de vista econômico — já que o STF considerou constitucional a criação de um piso para os enfermeiros — uma outra decisão nos embargos de declaração trouxe melhorias.
“Criar um piso salarial geralmente não é bom, porque salários rígidos sempre prejudicam a eficiência da economia. Mas nessa segunda decisão, o Judiciário ouviu os argumentos econômicos e decidiu que o negociado deve prevalecer sobre o legislado,” disse Resende.
Há ainda um caso julgado durante a pandemia, quando alguns estados tentaram impor descontos lineares de 20% a 30% nas mensalidades escolares. O STF julgou a decisão inconstitucional — e levou em conta para a decisão os prejuízos que ela poderia causar à economia, potencialmente levando muitas escolas a quebrar.
Os 12 casos relatados no livro são exemplos claros de como decisões judiciais não são inócuas — trazendo consequências econômicas e sociais para o bem ou para o mal.
Mas talvez o trecho que melhor resuma essa ideia seja uma frase de Barroso logo no prefácio da obra:
“Para ver se uma decisão é justa, é preciso saber quem paga a conta.”
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