O ‘CEO-psicólogo’ que está chacoalhando as coisas na Pague Menos

Assim que assumiu o comando da Pague Menos, em fevereiro, Jonas Marques comprou 1.500 ares-condicionados e 500 fornos microondas — um capex de emergência, e inusitado.

“O clima das lojas não estava legal, porque o ar estava quebrado e ficava um calor absurdo; além disso, os funcionários não tinham onde esquentar sua comida. Em uma delas, eles iam na pizzaria vizinha para conseguir esquentar o almoço,” o CEO disse ao Brazil Journal

“Vimos que existe uma relação direta entre o ambiente das lojas e a felicidade dos atendentes com os resultados que elas entregam. As lojas com o melhor ambiente em geral são as que performam melhor.”

A compra dos ares-condicionados é apenas uma das mudanças que Jonas está fazendo na companhia — todas com um elemento em comum: olhar para as pessoas, antes dos números. 

Ao mapear áreas onde os funcionários iam mal, Jonas também descobriu o problema do ‘contracheque zerado’: muitos funcionários não recebiam nada no final do mês porque os descontos em folha consumiam todo o salário.

O novo CEO — um veterano da indústria farmacêutica — investigou o motivo e descobriu que o maior responsável pelos contracheques zerados era a coparticipação do plano de saúde. 

“Negociamos com a Hapvida e tivemos que pagar alguns milhões a mais por mês, mas colocamos um teto de R$ 200 por mês na coparticipação,” disse o executivo. 

O olhar de Jonas para as pessoas não é à toa. Nascido em Fortaleza, assim como a Pague Menos, o executivo se formou em psicologia e chegou a clinicar por pouco mais de um ano, atendendo principalmente crianças autistas.

A experiência, ainda que breve, ajudou a moldar um estilo de gestão que Jonas aplicou em cargos de C-level em farmacêuticas como Bayer, Roche e Stiefel Laboratories.

“Eu sempre gostei de gente,” disse ele. “Quando eu cheguei na Pague Menos, o CFO [Luiz Novais] queria me mostrar todos os números, mas a primeira coisa que eu quis fazer foi falar com as pessoas.”

Jonas pegou os nomes dos 26 mil funcionários da rede e fez um sorteio para formar 70 grupos de cinco pessoas. Depois passou uma hora conversando com cada grupo — um trabalho que levou três semanas. (O diagnóstico de que era preciso comprar os ares-condicionados e microondas saiu justamente dessas conversas.)

O CEO também descobriu nestes encontros que havia funcionários que não trabalhavam bem, “mas que não eram demitidos porque existia uma percepção generalizada de que não se podia demitir.”

Jonas conversou com todos os executivos da empresa e descobriu que aquilo não existia de fato — mas a percepção já havia se espalhado pela companhia.

“Como a empresa tinha uma preocupação com o resultado trimestral, criou-se esse mito de que não se podia demitir porque isso geraria custos adicionais. São aqueles paradigmas que se criam na incapacidade de desafiar o status quo,” disse Jonas, que além de CEO e psicólogo é piloto de avião.

“A coisa que mais mata na aviação é a complacência, aquela situação que acaba deixando o piloto na zona de conforto. A complacência que mata na aviação é a mesma que mata as empresas que entram na rotina. Acho que isso tinha acontecido um pouco com a Pague Menos.”

O trabalho de Jonas não se restringiu à base da pirâmide hierárquica.

O executivo também organizou workshops com a família Queirós — os controladores da empresa — para “entender os limites do que eu podia fazer,” disse ele. “Eu levava algumas hipóteses, como fechar as lojas do Rio Grande do Sul, e analisava como cada um reagia.”

Depois de mexer nas pessoas, Jonas começou a olhar os números, buscando formas de aumentar a eficiência e reduzir a alavancagem da operação. 

A Pague Menos hoje tem uma alavancagem de 2,8x EBITDA, e pretende reduzir esse número para menos de 2x até o final do ano que vem. 

Na margem EBITDA, o objetivo é fechar o gap em relação à RD (a dona da Raia e Drogasil e o grande benchmark do setor). Historicamente, a RD sempre operou com uma margem EBITDA de 7% a 7,5%, cerca de 2,5 pontos percentuais acima da Pague Menos.

Hoje, essa diferença já está em apenas 1,5 ponto, com a RD entregando uma margem de 6,9% no terceiro tri, e a Pague Menos, de 5,4%. A meta da Pague Menos é atingir uma margem de 7% nos próximos dois a três anos.

Jonas começou atacando os ‘low hanging fruits’. 

Segundo ele, havia um problema simples na TI da empresa que, no ano passado, deixou um quarto das lojas paradas por 15 dias, somando todas as pequenas paralisações ao longo do ano. Este ano, esse número já caiu para um dia. 

“Era um problema de queda de link, e quando ele acontecia as lojas tinham que abrir um chamado e demorávamos 48 horas para resolver. Agora não existem mais os chamados. É tudo por Whatsapp e tem que ser resolvido na hora.”

Outra pequena mudança que gerou resultados relevantes foi no processo de precificação.  As lojas trocam cerca de 400 preços por dia, imprimindo os valores em papel na própria loja. 

“Eram os funcionários que tinham que cortar os papéis no tamanho certo para colocar nas prateleiras. Isso gerava um gasto de 178 mil horas/homem por ano. Trocamos a impressora por uma que já imprime a etiqueta no tamanho certo, liberando o tempo desses funcionários para atender melhor os clientes,” disse o executivo. 

A Pague Menos também tinha muito estoque improdutivo: produtos que haviam sido comprados da indústria mas que não giravam há mais de seis meses. 

“Eram principalmente lançamentos da indústria que não caíram no gosto do consumidor, e eles estavam parados nos nossos CDs ou nas lojas, consumindo caixa,” disse o CEO. “Se estou alavancado, como posso ter um estoque que não gira?”

Nesse momento, seu background ajudou. 

O CEO ligou para vários executivos da indústria — que já conhecia de décadas de trabalho no setor — e negociou para postergar o pagamento desses lançamentos que não deram certo, fazer propagandas subsidiadas pela indústria para ajudar a girar os produtos, e devolver os estoques que mesmo assim não vendiam. 

Essa revisão já gerou um ganho brutal para a Pague Menos. A companhia saiu de um prazo de estoque de 129 dias após a compra da Extrafarma para 102 dias hoje. (Quando Jonas assumiu, o prazo era de 113 dias). 

“Cada dia que eu diminuo o prazo gera uma redução de despesas de R$ 30 milhões por ano,” disse ele. 

Em outras palavras: os 11 dias que Jonas diminuiu geraram uma economia de R$ 330 milhões para a companhia. 

Além da melhora do prazo de estoque e da margem EBITDA, a Pague Menos tem visto seu ‘same store sales’ acelerar nos últimos trimestres. Depois de entregar um SSS ao redor de 5% ao longo de 2023, a companhia entregou 9,6% no primeiro tri deste ano, 11,4% no segundo tri e 13,6% no terceiro. 

A companhia também voltou a apresentar um fluxo de caixa operacional positivo, ajudado em parte pela melhora do estoque — entregando R$ 576 milhões no segundo tri e R$ 580 milhões no terceiro. 

Com a arrumação da casa, a Pague Menos também quer voltar a abrir lojas, depois de abrir apenas 20 em 2023 e 30 este ano. 

Jonas disse que em 2025 vai abrir “bem mais do que 50 lojas, mas nosso compromisso vai continuar sendo com a desalavancagem.”

Mas para o CEO, a melhoria mais importante que a companhia já fez desde sua chegada foi o plano de saúde.

“Quando eu trabalhei na clínica eu tive essa visão muito clara: o que mais gera frustração nas pessoas é a diferença entre a vida que elas têm e gostariam de ter. Essa diferença gera dor,” disse ele. 

“Quando eu chego nas empresas eu vejo a mesma coisa: pessoas acuadas, sem segurança psicológica e reclamando no café. O que mais tem é pessoas trocando uma vida por salário – e a primeira coisa que toda empresa tem que fazer é corrigir isso, criando um ambiente em que as pessoas se sintam seguras e sejam elas mesmas.”

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