O Santander está repensando tudo, dos produtos às agências. A meta: voltar ao ROE de 20%

Dois anos e meio depois de assumir o comando do Santander Brasil, o CEO Mario Leão está começando a colher os frutos de uma estratégia que inclui a reavaliação do portfólio de produtos do banco e uma nova abordagem junto ao cliente de baixa renda. 

No segundo trimestre, reportado há uma semana, o Santander disse que seu ROE atingiu 15,5%, ultrapassando seu custo de capital pela primeira vez desde o terceiro tri de 2022. 

Há um ano, o ROE do Santander estava em 11,2%. No low, no quarto tri de 2022, chegou a bater em 8,6%.

No redesenho do banco, o Santander quer ser menos dependente da atividade de “mercados” – o resultado que vem da rentabilização do capital próprio do banco – e está voltando a investir pesado no financiamento de automóveis e no crédito consignado, duas de suas fortalezas.

Na baixa renda, onde o banco teve problemas sérios de inadimplência nas safras formadas durante a pandemia, a aposta agora é numa abordagem de crédito mais conservadora, direcionando o apetite por crédito clean apenas para o cartão de crédito – que estimula a principalidade – e focando no crédito com garantia.

Para atender este público, o Santander criou uma nova oferta “sem asteriscos” – o Santander Free – que promete “um novo tipo de relação com o cliente de baixa renda que vai trazer um novo tipo de rentabilidade,” o CEO Mario Leão disse ao Brazil Journal

No novo regime, o banco vai focar em produtos que na margem possuem rentabilidade maior, e está disposto a abandonar produtos não rentáveis. A oferta de cartões do banco, por exemplo, está sendo reduzida de 300 para 12 tipos de cartões, o que ajuda na redução dos custos. 

“Entre rentável e maior, primeiro eu vou preferir ser rentável, e depois vou preferir ser maior,” disse ele. “Os dois são importantes, mas não vou abrir mão de ser rentável só para ser maior.”

Abaixo, os principais trechos da entrevista, dividida por tópicos.

A busca pelo ROE de 20%

Seguramente queremos voltar a ter um patamar de ROE na casa dos 20%. O ROE por si só não é um objetivo único. Mas ele é um dos componentes importantes que refletem a fortaleza de uma franquia. Não é o único, mas é um componente importante. E a gente olha o ROE como uma métrica de sucesso, no sentido de equilíbrio de portfólio, de utilização correta do capital, e de capacidade de ter uma relação contínua e perene com os clientes. Então queremos sim voltar a ter um ROE nesse patamar.

Mas o que estamos fazendo para voltar a esse ROE? A primeira realização é de que já chegamos a um patamar acima de 21% no passado. E ele aconteceu na fase final do primeiro grande ciclo de crescimento que o Santander teve no Brasil, que foi entre 2013 e 2021. 

A minha primeira constatação, desde que eu assumi o banco há dois anos e meio, é que para buscar ter um portfólio de negócios saudável, que poderia voltar a crescer ao longo dos anos de forma consistente, coerente e sólida, eu precisaria desenhar um portfólio com peças diferentes e com pesos diferentes em relação ao que tínhamos até 2021.

Esse diagnóstico de que o portfólio precisava evoluir era o mais importante a ser feito — e já foi feito. Temos trabalhado desde então na concretização desse redesenho do portfólio, um redesenho do que é e do que deve ser o Santander nos próximos cinco anos. 

Nosso primeiro objetivo é consolidar o ROE no mid-teens, que atingimos no segundo trimestre. Depois disso, é buscar ao longo dos próximos trimestres o mid-to-high teens, que é algo em torno de 17%-18%. Queremos buscar isso ao longo dos próximos trimestres, dos próximos anos. E depois disso queremos voltar para os 20%. 

A mensagem para o mercado é que estamos focados em ter um negócio que cresce de forma sustentável, recorrente, na direção de ser maior sim, mas rentável ao mesmo tempo. Entre rentável e maior, eu primeiro vou preferir rentável e depois vou preferir maior. Os dois são importantes, mas não vou abrir mão de ser rentável só para ser maior. Isso é uma mensagem importante.

Um portfólio mais diversificado

Nosso portfólio tinha uma preponderância grande em resultados de mercado — ou seja, a gestão do nosso próprio capital e resultados de tesouraria — e, no crédito, havia uma preponderância grande na baixa renda. Por outro lado, tínhamos menos do que deveríamos ter de resultados de comissões. Vimos que precisávamos aumentar mais a nossa capacidade de gerar comissões em cima do balanço grande que temos. 

Outro diagnóstico é que precisávamos avançar bastante numa agenda de passivos, de captações. No ciclo de crescimento anterior, contamos mais com crédito do que com o passivo, e esse era um gap grande que precisávamos cobrir. 

Mesmo dentro do crédito, vimos que precisávamos diversificar em outras faixas de renda da pessoa física, para ter uma dependência menor de rendas massivas [a baixa renda], e ter mais média renda e alta renda. Além da pessoa física, vimos que tínhamos que diversificar nosso portfólio de crédito no mundo das pequenas e médias empresas, onde podíamos crescer muito mais.

Com essa diversificação, o que a gente consegue? Ao trazer mais comissões com o mesmo capital, na prática eu estou aumentando minha rentabilidade. Se estou fazendo um trabalho de passivos, ganhando margem financeira de passivos e não só de crédito, também estou aumentando a rentabilidade na veia. 

Um funding mais diversificado (e barato)

O que queremos mudar no fundo é o perfil de funding do banco. Construímos um Santander que dependia percentualmente muito mais de grandes clientes do atacado e de investidores institucionais. E não tem nada de errado com esse tipo de cliente, mas são clientes que investem volumes mais altos que as PMEs e os clientes pessoa física e, portanto, eu tenho que pagar uma taxa mais alta quando eu vendo um CDB. 

Nosso custo de funding não é muito maior que o dos concorrentes, mas é um pouco maior hoje. 

Mas o dado que eu prefiro olhar é o seguinte. A gente começa essa jornada com um mix no qual o atacado era 60% do funding do banco, e tínhamos no varejo os outros 40%. Eu quero inverter essa equação: ter 60% do funding vindo do varejo, e quanto mais pessoa física melhor, e 40% vindo do atacado.

Ao fazer isso, na prática eu posso até estar tomando emprestado o mesmo volume de dinheiro, mas estou tomando a um custo médio muito menor. 

Nesse direcionamento macro estratégico, desenvolver um negócio de captação de passivos bem relevante é um ponto inegociável. 

Calibrando o crédito

No começo de 2022, fizemos um grande ajuste nos nossos modelos de concessão. Na prática, a gente restringiu de forma material os públicos com os quais a gente queria operar crédito dali para frente. Em vários casos continuamos dando crédito, mas com um apetite bem menor.

Com isso, vimos cair em alguns milhões a quantidade de cartões ativos que tínhamos. É duro ver uma base de clientes caindo? Claro que é duro, mas era necessário. 

A partir do segundo semestre do ano passado percebemos que o nosso de-risk já tinha atingido um patamar bastante razoável, que já tínhamos evoluído bastante nessa gestão do nosso portfólio legado, construído até 2021.

Com isso, entendemos que a gente podia voltar a crescer em alguns portfólios e tipos de negócios, que seriam relevantes na construção desse banco mais diversificado, mais sustentável. Isso sem reajustar o apetite dos modelos. 

A partir de então, voltamos a crescer com mais ênfase na nossa financeira de veículos, que é a maior do Brasil, e no empréstimo consignado, que tínhamos definido que seria uma alavanca para buscarmos crescimento acima do mercado, idealmente. Não que a gente esteja obcecado, olhando o market share todo dia, mas era um portfólio que queríamos crescer. 

Também tínhamos decidido crescer no agro e crescemos bastante entre 2021 e 2023. Então, algumas coisas a gente já vinha crescendo desde 2022, e outras passámos a crescer mais em meados de 2023. Nosso negócio de PMEs também tinha andado de lado por um ano e meio e decidimos voltar a crescer. E de novo, tudo isso sem apetite, sem mudança material de apetite. 

O que fizemos então para crescer? A gente evoluiu muito no ferramental. Na nossa capacidade de entender dados, de capturar dados e na nossa capacidade de oferecer limites num nível muito mais personalizado do que jamais fizemos. Com uma capacidade de leitura e personificação de oferta muitos níveis acima de antes. 

Em baixa renda a gente também volta a ter uma postura de que queremos voltar a fazer a baixa renda ser um pedaço relevante do nosso portfólio – mas de forma bem diferente do que tínhamos feito até então. 

Primeiro com uma noção muito melhor da elasticidade da renda. Segundo, com muito mais captura de dados, processamento e velocidade. Mas faltava algo para de fato esse cliente de renda massiva querer ter uma relação principal, mais próxima com o Santander — que era uma oferta potente. 

O fim dos asteriscos

A gente tinha antes uma oferta com asteriscos, como todos os grandes bancos incumbentes têm. O que é uma oferta com asteriscos? Uma oferta que só tem gratuidade se o cliente atinge determinados índices de volume. A gente percebeu que precisávamos construir uma oferta que fosse realmente gratuita para a vida, que não tivesse mais nenhum asterisco. E junto disso alguns outros elementos de oferta que criassem inclusive um elemento de diferenciação em relação aos bancos digitais. 

Obviamente, a conta e o cartão gratuito os bancos digitais já criaram anos atrás, e fizeram isso muito bem. Se só fizessemos igual ao que os digitais fizeram não teríamos criado nenhuma diferenciação. Teríamos coberto um gap, o que é bom, mas não teríamos necessariamente criado algo que o cliente acha que tem mais no Santander do que em outros bancos. 

Então criamos o Santander Free, com a conta e cartão gratuito, e junto disso colocamos saque ilimitado gratuito, que para a baixa renda é relevante, e demos também 10 dias sem juros no cheque especial, desde que o cliente tenha a chave Pix dele cadastrada com a gente. Isso é uma oferta brutal, porque o juro do cheque especial na média é de 100% ao ano. 

Quando pensamos no posicionamento novo do massivo, tem toda a parte de tecnologia, das safras, mas se não fizéssemos uma oferta combativa não íamos conseguir chamar a atenção deste público.

Obviamente, isso não acontece da noite para o dia, mas acreditamos que essa oferta finca um novo olhar, um novo tipo de relação com os clientes de baixa renda, que vai trazer um novo tipo de rentabilidade com esse grupo, que também vai ajudar na equação do ROE.

Também melhoramos muito nossa capacidade de entender o quanto dá para rentabilizar cada base de clientes que temos. Os bancos aprenderam do jeito mais duro os limites da baixa renda – e isso não foi uma exclusividade do Santander. Achar que dá para esticar a rentabilidade num nível que é incompatível com a renda das pessoas é uma ilusão. Pode durar um tempo. Podemos até nos sentir inteligentes por rentabilizar uma base de forma material. Mas uma hora a conta chega. 

Baixando o custo de servir

Temos que ter uma equação de custos muito mais leve do que tivemos até aqui. 

A redução do custo de servir passa por entender qual parque de lojas eu preciso ter para servir os clientes de uma forma ainda ampla. Queremos que o cliente tenha a capacidade de ter uma conversa multicanal conosco, então a loja é um ativo importante, um diferencial. Mas temos que ter o parque certo. 

Já temos feito essa redução do parque de lojas, que preferimos chamar de uma fusão de lojas, porque estamos pensando de forma bem estratégica como juntar a loja A com a B, cuidando da base de clientes. Então, o primeiro ponto é seguir fusionando as nossas lojas e pensando numa quantidade de lojas que seja adequada. 

Além disso, estamos buscando ganhos de produtividade com a tecnologia, para que algumas funções executadas por pessoas ou por sistemas mais antigos possam evoluir. 

Estamos fazendo um grande trabalho de tombamento de sistemas legados para sistemas novos. Estamos fazendo uma grande migração de processamento do banco todo, de grandes servidores para processamento em nuvem. Ano que vem esperamos ter um salto grande de eficiência de custo de processamento com isso. 

Também estamos vendo funções de baixo valor agregado que hoje são feitas por pessoas e que poderiam ser substituídas por inteligência artificial generativa. 

Tem também um tema de redução de produtos que é bem relevante. A indústria financeira sempre foi uma grande fábrica de produtos. A agenda de produtos era muito relevante, porque ganhava o jogo quem tivesse mais oferta de cartões de crédito. Eu cheguei a ter mais de 300 cartões na minha oferta e esse número reduzimos para 200 numa primeira leva, e o número que estamos objetivando é 12. E já estamos bem próximos disso. 

Quando você traz uma base de 300 cartões para 12 você tem uma redução de custos de processamento, e tem uma redução de treinamento das pessoas que estão na ponta falando dos cartões. Então a agenda de simplificação de produtos também tem a ver com redução do custo de servir. 

A estratégia no crédito

Eu resumo nossa estratégia de crédito da seguinte forma. Como em baixa renda aprendemos que existe uma elasticidade mais limitada para esse cliente pagar comissão e empréstimo, mudamos a estratégia para uma oferta muito mais combativa e definimos claramente que nossa relação de crédito tem que estar calcada no cartão de crédito, que representa a forma mais interativa, mais transacional que qualquer cliente pode ter com o banco. 

Se está claro que eu preciso ter o apetite de crédito do cliente expresso entre o cartão e a conta, porque é isso que o cliente consome, é ali que vamos concentrar todo o apetite por crédito clean daquele cliente. Não vai ser em empréstimo pessoal, que é descorrelacionado de tudo. 

Se eu consigo através do cartão e da jornada de pagamentos começar a ter uma relação próxima e de principalidade do cliente, e ele começa a ter uma demanda de querer mais R$ 1 mil, R$ 5 mil, como vou apoiar o cliente nessa construção? Vou oferecer um consignado, um FGTS, um crédito pessoal investidor, um crédito imobiliário, um home equity.

Então, a expressão do crédito clean vai ser via cartão e conta, e todo o entorno da relação de crédito vai ser com produtos com garantia. Por isso temos crescido tanto no consignado, por isso somos um dos bancos que mais cresce no imobiliário, no home equity. Tudo que é colateralizado eu vou ter um apetite maior. 

A aposta na alta renda

Em 2022, a gente tinha uma relevância, uma presença maior na baixa renda do que tínhamos na média e na alta, principalmente na alta.

Mas estava claro que tínhamos uma jóia no portfólio, que é o Santander Select, que naquela época já tinha 9 anos de lançamento. 

Decidimos revitalizar a marca. Pela primeira vez, em agosto de 2022, fizemos uma campanha do Select, convidando os clientes a virem para o Select. Dois anos depois, saímos de uma base de 600 mil clientes para 1,5 milhão de clientes. Multiplicamos por 2,5x a base de clientes e queremos chegar a 2 milhões – e devemos atingir isso mais cedo do que imaginávamos.

Tínhamos uma marca, uma oferta de valor forte, lojas, mas tínhamos que falar mais disso. E uma das coisas que não tínhamos e que lançamos foi uma assessoria de investimentos âncora, para poder falar com o cliente investidor, que são centenas de milhares, e poder falar de uma forma próxima, técnica, assertiva e dedicada. 

Em setembro de 2022, criamos o nosso próprio escritório de assessoria, o Triple-A. Com isso, eu elimino uma camada de gestão e portanto de distribuição de resultados que são os escritórios. Eu passo a ser o próprio escritório e contrato diretamente os assessores. Com isso só tenho o Santander para remunerar e o assessor. Já temos 1,7 mil desses assessores e vamos chegar a 2 mil. 

O Triple-A tem o menor nível de cobertura de clientes por assessor do mercado. São 100 clientes por assessor. No mercado, na média é 500-600, ou mais. Isso dá uma proximidade muito maior. Consigo fazer um giro de carteira muito mais rápido, falando com o cliente 1-2 vezes por mês.

A nova agência

O especialista que atende a média renda ficava no fluxo da loja. Todo cliente que vinha ele tentava dar uma mão, o que fazia com que ele não conseguisse cobrir os 1.000 clientes que ele tem. Quando dava sorte de 1, 2, 3 desses clientes passar na loja, ele conseguia cobrir. Os outros 997 ele passava um mês sem falar, e muitos nem o conheciam.

O que fizemos foi tirar os especialistas de média renda do fluxo das lojas. Às vezes a gente deixa ele dentro da própria loja, numa salinha separada, mas fora do fluxo. E a missão dele passa a ser cobrir seus clientes, fazer de fato um trabalho de especialista. Passamos a ter um modelo de atendimento espalhado pelo Brasil, na mesma geografia que cobrimos com as lojas, mas os especialistas agora tendo tempo para focar nisso.

Com os gerentes de PMEs fizemos a mesma coisa. Eles também ficavam na loja atendendo o fluxo, e mal tinham tempo de sair para fazer visitas. A gente tirou eles das lojas e colocamos na rua, visitando os clientes o tempo todo. Eles têm o mapa das visitas que têm que fazer na semana e vão tagueando onde já foram, registrando como foi a visita.

Com essas mudanças, a agência passa a ter uma vocação de servir todos os clientes. Até o primeiro trimestre deste ano, a loja tinha a propriedade de uma base de clientes. Então todo resultado que essa base de clientes gerava era alocado para a loja. Se a loja tinha um resultado bom, ela podia ficar sentada na cadeira, tranquilona, que o resultado ia vir no fim do mês. Tanto faz se eu atendi bem o cliente na loja, porque tenho o resultado quase garantido.

A gente decidiu desassociar a loja do cliente. Todos os clientes passam a ser de todas as lojas, e eu faço como no varejo: se o cliente entrou na loja, ele tem que ser impecavelmente bem atendido. 

E como eu avalio as lojas hoje? Com dois fatores. A venda que foi feita naquela loja e o atendimento, com o NPS. A avaliação do NPS e do faturamento são a remuneração daquela loja: do líder, do especialista, de toda a estrutura de gestão. 

Isso dá um salto enorme porque a loja passa a focar em atender bem o cliente e em rentabilizar o ponto de venda. 

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